TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «[A norma constitucional consagradora da reserva parlamentar em matéria de bases da função pública aponta para a aprovação de uma «lei-quadro» da função pública]: ora a Constituição apenas aponta para aí (foi isso que acima se disse), mas, em rigor, não condiciona ou limita expressamente nesses termos o alcance da reserva em causa. Esta, por conseguinte, bem pode ser interpretada antes como incluindo qualquer intervenção legislativa que contenda com os princípios estruturais básicos do regime da função pública. c) Simplesmente, se as coisas se passam deste outro modo, então a circunstância de os mesmos princípios não se encontrarem «codificados» num único diploma legislativo ou, ao menos, num corpo de diplo- mas perfeitamente articulado também não deverá conduzir a um alargamento da reserva para além do que se acha estabelecido na Constituição. Concretamente: também não deverá nem poderá traduzir-se num absoluto bloqueamento da legislação governamental autónoma no domínio da função pública até que a Assembleia da República proceda, em diploma ou diplomas adrede emitidos para o efeito, à fixação e sistematização das respetivas bases gerais. Definido o seu alcance nos termos indicados, o que a reserva do artigo 168.º, n.º 1, alínea u) , implica, sim, é a necessidade de, a partir dos numerosos e dispersos textos legais regulamentadores da função pública, e sem, naturalmente, perder de vista o respetivo contexto, maxime institucional e histórico, averiguar e estabelecer as linhas de força estruturais dessa regulamentação, os princípios básicos que a informam e caracterizam, pois aí se situará a linha de fronteira entre o que pertence e o que não pertence à competência legislativa exclusiva da Assem- bleia da República. Nessa competência entrará só – como é óbvio – o que contenda com aqueles princípios, por importar a sua substituição, modificação ou derrogação; sobre tudo o mais, poderá o Governo legislar sem necessidade de qualquer autorização prévia. Numa palavra, e para nos servirmos de uma consabida distinção, dir-se-á: a reserva parlamentar inclui ape- nas o que tenha a natureza de uma regulamentação de princípio, por constituir, ou coenvolver uma redefinição de «princípios jurídicos»; a emissão de normas que não briguem com esses princípios, mas representem unicamente uma diferente modelação ou concretização deles, essa encontra-se o Governo habilitado a fazê-la autonomamente .» Este entendimento foi confirmado pela jurisprudência posterior – vide, por exemplo, o que se refere no Acór- dão n.º 208/02: «Decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 233/97 (in AcTC , 36.º Vol., pp. 503 e seguintes) e dos Acórdãos aí citados, que a criação de exceções ou o estabelecimento de princípios contrários em matéria de bases do regime e âmbito da função pública não podem ser considerados como constituindo o desenvolvimento de tais bases. Isso significa necessariamente que a criação de tais exceções ou princípios contrários aos contidos nas bases da função pública consubstancia uma invasão da reserva de competência legislativa da Assembleia da Repú- blica, prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea t) , da Constituição. Com efeito, ainda que se admita que a reserva estabelecida nesta última norma não abrange a particularização e a concretização do regime da função pública […], ela não pode deixar de incluir a criação de exceções ou o estabelecimento de princípios contrários àqueles que podem considerar-se os princípios básicos definidores das bases de tal regime, sob pena de se abrir a porta a um esvaziamento da reserva pela via da multiplicação de regimes excecionais.» 16.2 A jurisprudência constitucional ensaiou já várias propostas de densificação do conceito constitucional de «bases do âmbito e regime da função pública». A este propósito, pode mesmo dizer-se, tal como faz o Acór- dão n.º 793/13, que « o conceito constitucional de «base do regime da função pública» é um conceito aberto a conteúdos diversos, caracterizados pela sua importância para a estruturação do regime jurídico das relações de emprego público ». […]” (itálicos acrescentados).

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