TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
53 acórdão n.º 31/20 VII - Não se trata de estabelecer um triplo grau de jurisdição porquanto, mantida intacta a unicidade da causa penal, apenas os elementos que conduzam ao juízo de culpabilidade (reformador da decisão absolutória prévia) e consequente fixação da sanção, ao serem questionados pelo arguido recém-con- denado, deverão ser objeto de reapreciação; o que está em causa é a capacidade de forçar os tribunais competentes a apreciar uma condenação, no momento em que esta surge na esfera jurídica do argui- do, tendo em atenção as sérias implicações a ela inerentes em matéria de direitos fundamentais; sem direito a recorrer não é possível sequer conceber que o direito de defesa possa ser efetivamente exerci- do; o direito fundamental ao recurso é condição indispensável para um exercício efetivo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. VIII - Conclui-se que não é constitucionalmente admissível, a restrição, na esfera dos direitos, liberdades e garantias – em que se insere a articulação do direito ao recurso com a mobilização de outros meios de defesa, para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva –, configurada, conforme consta dos autos, pela total supressão do direito ao recurso, no que respeita à escolha e determinação da medida da pena, que o artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal promove; nesse sentido, a insindi- cabilidade de uma decisão condenatória em pena de multa, após absolvição em 1.ª instância, não se compagina com a proteção das garantias de defesa em processo criminal, em particular com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, diversas vezes afirmado como inquestio- navelmente central na dinâmica de proteção dos direitos fundamentais pelo Tribunal Constitucional; os sentidos e o alcance do direito fundamental ao recurso impõem que o juízo de inconstitucionalida- de a respeito da irrecorribilidade de condenações após absolvição seja estendido de forma a abranger as penas de multa. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A., B., C. e D., e recorridos o Ministério Público e E., foi pelos primeiros interposto recurso para o Tribunal Consti- tucional (cfr. fls. 93-101), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), do despacho de indeferimento de reclamação proferido pelo STJ, em 13 de fevereiro de 2019. 2. Inicialmente, os ora recorrentes foram absolvidos da prática de diferentes crimes por sentença do Juízo Local Criminal de Lisboa. Inconformado, o então assistente – recorrido no presente – interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, cujo acórdão de 10 de julho de 2018 julgou parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, revogou a sentença absolutória original e condenou os então arguidos – ora recorrentes – em diferentes penas de multa (fls. 44 verso e 45). Perante tal condenação, ditada pela primeira vez pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os aqui recorrentes interpuseram recurso para o STJ e desde logo suscitaram, para o que releva para a fiscalização do Tribunal Constitucional, a questão de constitucionalidade a respeito da irrecorribilidade daquele acórdão condena- tório por força da aplicação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) face aos artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição (CRP).
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