TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
528 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “[…] A reserva de legislação do ‘regime geral de punição das infrações disciplinares’ não tem um alcance de primeiro nível, como naqueles casos em que o artigo 168.º exige uma ‘reserva de regulação total’ pelo Parlamento. Com o deixar ao Parlamento a determinação do regime geral de certa matéria, a Constituição exprime o desiderato de que é o Parlamento a ‘definir o regime comum ou normal dessa matéria’ (Gomes Canotilho e Vital Moreira), sem que com isso haja de a exaurir, assim abrindo espaço a regimes especiais e normas de concretização a definir pelo Governo. É claro que, neste quadro, a produção normativa do Governo não pode afrontar as linhas estruturantes do regime geral. Mas que existe um espaço de desenvolvimento pelo Governo, de decisão normativa programante em tais matérias, decorre claramente da fórmula constitucional do artigo 168.º, n.º 1, alínea d) . Ora, o regime geral de punição das infrações disciplinares é o que se concretiza na definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções e seus limites, e ainda das correspondentes regras de processo [devendo entender-se as “regras de processo” com o preciso e restritivo sentido que se deixou consignado no ponto anterior]. […]”. Como assinala Ana Fernanda Neves, “[…] a reserva [da referida alínea d) ] «não tem um alcance de pri- meiro nível», não é uma «reserva de regulação total» […]”, abrangendo, designadamente, “[…] os princípios fundamentais da efetivação da responsabilidade dos trabalhadores da administração pública, a definição da natureza do ilícito dos tipos (ou modalidades) de sanções e seus limites, e não o número e tipo de sanções que podem impor-se em cada caso […]”, nem sequer a “[…] definição parlamentar dos ilícitos disciplinares” ( O direito disciplinar da função pública, vol. II, cit., pp. 133 e seguintes). Concluiu-se no citado Acórdão n.º 472/97 que “[…] o tema da distribuição de competências pelos órgãos da Administração e da sua articulação com o plano mais vasto das atribuições da pessoa coletiva – ou, como é o caso, de órgão dotado de atribuições em pessoa coletiva de fins múltiplos – não se reconhece no programa da norma do artigo 168.º [atual artigo 165.º], n.º 1, alínea d) , da Constituição. A estrutura orgânico-funcional da Administração não tem que ver, diretamente, com o problema da responsabilidade disciplinar dos funcionários, nem com as garantias que com a reserva de lei a Constituição pretende lhe vão ligadas”. O mesmo se poderia afirmar de uma regra que prevê o caráter necessário do recurso tutelar, em matéria disciplinar. Não se trata de “regime geral de punição” das infrações disciplinares, seja porque se trata de uma dimensão processual secundária, seja porque é eventual (só é “necessária” enquanto pressuposto de impug- nação contenciosa, mas ela própria é eventual), seja porque é posterior à decisão administrativa tomada pelo órgão com competência disciplinar (que é apta a tornar-se definitiva, se não for impugnada), seja porque, apesar de operar como condição da impugnação contenciosa, não a restringe (no sentido em que qualquer visado pelo processo disciplinar se encontra em posição de, querendo, satisfazer a condição). Conclui-se, pois, que mesmo que se pudesse perspetivar a inclusão das regras de processo no âmbito da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a previsão de um recurso tutelar necessário não integraria o “regime geral de punição” das infrações disciplinares. 2.3.3. Prevê a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP que as “bases do regime e âmbito da função pública” integram a reserva de competência legislativa relativa da Assembleia da República. Importa, então, compreender o sentido de “bases” do regime da função pública. No Acórdão n.º 502/19 pode ler-se, a este propósito, o seguinte: “[…] 16.1 Tenha-se presente que da análise de conjunto das matérias elencadas no artigo 164.º (Reserva absoluta de competência legislativa) e, bem assim, no n.º 1 do artigo 165.º da CRP (Reserva relativa de competência legisla- tiva) resulta que o legislador constituinte (e de revisão) estabeleceu diferentes níveis materiais da reserva de competência
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