TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A norma em causa estabelece um efeito suspensivo de princípio, só modificável pelo órgão ad quem , mediante os pressupostos que a lei determina o que, todavia, não abalava a qualificação do meio impugnatório em causa como facultativo. Sobreveio o Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7/01, cujo artigo 3.º veio determinar que as impugnações adminis- trativas “existentes” à data da sua entrada em vigor só seriam necessárias quando a lei determinasse, inter alia, que suspendiam os efeitos do ato (n.º 1, alínea c) ). Da conjugação das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 1, alínea c) , do supracitado Decreto-Lei e dos artigos 224.º e 225.º, n.º 4, da LGTFP resultou a interpretação segundo a qual o recurso administrativo (hierárquico ou tutelar) previsto no artigo 224.º teria passado a ter natureza necessária. E a natureza necessária de tal recurso determina, segundo jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Admi- nistrativo, que a lesividade do ato – pressuposto processual de impugnação contenciosa – só se acha verificada após ser suscitado o órgão administrativo ad quem e deste obtida decisão, tida por desconforme aos direitos ou interesses legal- mente protegidos do impetrante, erigindo-se a decisão do órgão ad quem como ato contenciosamente impugnável. O supracitado artigo 3.º, n.º 1, alínea c) , consta do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7/01, publicado mediante autorização legislativa constante da Lei n.º 42/2014, de 11/07. Este último diploma configura o ato normativo pelo qual o Governo foi autorizado a aprovar um novo Código do Procedimento Administrativo, diploma que consabidamente fixa as regras gerais de procedimento administrativo. A matéria relativa às reclamações e recursos administrativos consta do artigo 2.º, alíneas ww) a bbb), sendo que a alínea xx) da Lei de Autorização Legislativa, normativos de onde decorre a previsão de que as reclamações e recursos administrativos devem ter natureza facultativa, salvo se a lei os “denominar” como necessários. Como acima se referiu, o escopo da Lei de Autorização Legislativa em apreço foi o de autorizar o Governo a legislar no âmbito de procedimento administrativo geral, não só porque o CPA tem a vocação de ser um repositório sistemático de normas gerais, como porque a sua aplicação a procedimentos especiais – como é o caso de procedimento disciplinar – se faz apenas subsidiariamente (cf. artigo 2.º, n.º 5, do CPA) . Por isso, a alínea d) do artigo 2.º da Lei de Autorização Legislativa refere, expressis verbis, que, no uso da mesma, deve o Governo “determinar que as disposições do novo Código do Procedimento Administrativo, desig- nadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos admi- nistrativos especiais”. Do exposto, resulta que a Lei de Autorização Legislativa em causa não tinha como escopo, nem expresso, nem implícito, autorizar o Governo a legislar sobre a matéria de punição de infrações disciplinares. O regime geral de punição das infrações disciplinares é matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo – cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da CRP. Tal como o é a definição das bases do regime e âmbito da Função Pública – cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea t) , da CRP. Ora, a matéria de impugnação administrativa de ato punitivo e, designadamente, dos efeitos dessa impugnação – visto que os mesmos relevam sobremaneira em matéria da respetiva impugnação judicial, como acima se referiu – é matéria incluída no regime geral de punição das infrações disciplinares. E, bem assim, o regime do ato punitivo, designadamente, quando extintivo da relação jurídica de emprego público, como sucedeu in casu , é matéria incluída nas bases da Função Pública. Desta forma, o artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7/01, se interpretado no sentido de haver derrogado a natureza facultativa do recurso administrativo (hierárquico ou tutelar), resultante dos artigos 224.º e 225.º, n.º 1, da LGTFP, atento o disposto no n.º 4, deste preceito, consagrado a natureza necessária do mesmo, violou o disposto no artigo 2.º, alíneas ww) a bbb) da Lei n.º 42/2014, de 11/07, padecendo de inconstitucionalidade orgânico formal, por ofensa dos artigo 165.º, n.º 1, alíneas d) e t), da CRP. II. Acresce que a mesma norma, assim interpretada, isto é, considerando ter passado a determinar a natureza necessária do recurso administrativo (hierárquico ou tutelar) interposto de ato punitivo praticado em sede de
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