TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

52 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - No momento da condenação ocorre, em certa medida, uma renovação do direito de defesa por meio dos instrumentos de recurso; o direito fundamental ao recurso em situações, como a do caso concre- to, de condenações após absolvição em 1.ª instância, configura a concretização da tutela jurisdicional efetiva na sua expressão mais notável, designadamente, a fiscalização e a proteção pelas autoridades judiciais dos direitos fundamentais do arguido, conforme delineados pelo texto constitucional; nessa medida, o cidadão que venha a ser condenado, após absolvição em 1.ª instância, tem direito, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 20.º, ambos da Constituição, a que a respetiva pena, inédita, seja reapreciada pelos tribunais; aqui reside, precisamente, o fundamento do direito de defesa e, de maneira mais específica, do direito ao recurso: o legítimo interesse em preservar a inte- gridade do catálogo de garantias individuais que a ordem constitucional do nosso Estado de direito apregoa. IV - O emprego de eventuais limites absolutos, em determinadas circunstâncias, à possibilidade de inter- posição de recurso contraria o dever de prestação jurisdicional que impende sobre o Estado; se a tentativa de otimização do funcionamento dos tribunais passar pela supressão do acesso às vias de recurso e, assim, de uma das pedras angulares do Estado de direito, que é a tutela jurisdicional efetiva, então estaremos perante uma limitação do poder-dever dos tribunais para administrar a justiça; da oposição entre o direito fundamental de acesso às vias de recurso e a eficiência da justiça não emerge um balanço de ponderação assente num conflito de valores jurídicos de igual alcance pela simples razão de que a segunda não subsiste sem o primeiro, por esse motivo, deve a presente situação ser tratada como verdadeira restrição do direito fundamental ao recurso, plasmado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e ser analisada à luz dos pressupostos constitucionais de admis- sibilidade de tais limitações. V - A constrição penal sobre direitos, liberdades e garantias só é válida quando aos indivíduos é permitido reagir perante um tribunal, quer contra uma acusação em curso, quer contra uma posterior decisão que afete a sua esfera jurídica; nada na Constituição estabelece uma indexação interna no direito ao recurso, segundo critérios atinentes à intensidade da interferência da condenação na esfera de direitos fundamentais de que cada pessoa é sujeito; o standard de funcionamento do Estado, em todas as suas instâncias, deve ser de um nível de proteção elevado, de forma a efetivar as garantias que o sistema constitucional determina. VI - Tratando-se de um direito essencial de defesa dos arguidos, não se vislumbra razão para, em sede de aplicação de pena de multa, após absolvição, afastar a possibilidade de exercício do direito ao recur- so – nenhuma razão, maxime de racionalização do sistema e tutela da sua eficiência, se afigura sufi- cientemente forte para impedir o reexame, por uma instância jurisdicional diferente da que tomou a decisão, pelo menos, da dimensão nova introduzida pela Relação, a saber, a determinação da pena e da respetiva medida concreta; o duplo grau de jurisdição só poderia, nesta sede, funcionar como garantia suficiente da tutela jusconstitucional do arguido, se a decisão do recurso fosse, em toda a sua extensão, uma reapreciação da situação decidida pelo tribunal recorrido, ou seja, um reexame da matéria analisada e decidida pelo tribunal a quo e não o julgamento de questões novas; a deter- minação da medida da pena é, no entanto, uma indubitável questão nova, de que o arguido não poderia, de forma alguma, ter-se defendido em momento anterior; independentemente da natureza da pena aplicada, a impossibilidade de interpor recurso da decisão condenatória, na hipótese em apreço, entra em choque com a previsão do direito fundamental ao recurso do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

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