TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Se, para assegurar um efetivo direito de defesa, é necessário que o arguido esteja assistido por um defensor na fase de recurso, já não se revela um requisito do núcleo essencial desse direito que a pessoa do defensor seja a mesma durante o decurso do prazo de recurso. A ponderação da decisão de recorrer e a elaboração da motivação do recurso, com a inerente escolha das ques- tões a suscitar, é um labor que, apesar de ter um cunho pessoal, permite a transmissão pelo primitivo defensor para o novo defensor do trabalho intelectual e material já desenvolvido. O prazo para a interposição do recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efetivo direito ao recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distin- tos quantos os defensores que se sucedam na assistência ao arguido. Se a mudança da pessoa do defensor, no decurso do prazo de recurso, é suscetível de causar alguma perturbação ao exercício do respetivo direito, não se pode dizer, numa visão geral e abstrata, que a manutenção, nesses casos, do prazo único previsto na lei (15 dias) para a dedução do recurso penal, põe em causa, de modo inadmissível, a possibilidade do arguido recorrer das decisões que o afetam. E se, no caso concreto, essa perturbação assumir uma dimensão tal que ponha em causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime processual penal permite que o arguido invoque a figura do justo impedimento (art.º 107.º, n.º 2, do CPP), para que possa exercer de modo efetivo o seu direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual desprotegida.» Não só é de acompanhar e reiterar este argumento, como cabe chamar particular atenção para o facto nele referido de que o regime processual admite – como a decisão recorrida aliás sublinhou – a salvaguarda de situações concretas em que que o exercício do direito ao recurso possa ser posto em causa pela pendência do pedido de dispensa de defensor: o regime do justo impedimento, consagrado no artigo 107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. É o que pode suceder naqueles casos em que a substituição do defensor tenha lugar na iminência do esgotamento do prazo para a prática de um ato processual relativamente complexo como é a apresentação de recurso de decisão desfavorável ao arguido. Assim, as conclusões a que se chega são precisamente as contrárias das pretendidas pelo recorrente. Atenta a natureza e os deveres da relação de patrocínio, presume-se razoavelmente que a apresentação do pedido de dispensa não põe de modo algum em causa a representação efetiva do arguido, pelo que a solução legal da continuação do prazo, acompanhada da conservação do defensor em funções até − e somente na eventualidade de − vir a ser substituído, não viola as garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição, designadamente o direito ao recurso. As situações concretas em que esta presunção se não pode manter – por natureza excecionais – podem ser perfeitamente acauteladas através da aplicação pelos tribunais do regime do justo impedimento. 12. Para concluir esta vertente da questão, deve ainda salientar-se que a norma objeto do presente recurso diverge substancialmente daquela que foi apreciada no Acórdão n.º 159/04, aresto em que o recor- rente se louva. Nesse processo estava em causa uma norma segundo a qual o prazo para interposição do recurso se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da sentença, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição fora requerida e deferida com fundamento em causa justa. Estava, portanto, adquirida processualmente – e refletida na dimensão normativa sindicada – a recusa do defensor em interpor recurso da sentença condenatória, recusa essa judicialmente reconhecida como causa justa para substituição do mesmo. Trata-se, como assinala o Ministério Público, de questão diversa daquela que se coloca nos presentes autos. Foi, aliás, por ser evidente a ausência de identidade normativa entre os objetos de ambos os recursos que o relator entendeu, no exame preliminar, rejeitar o presente recurso, na parte em que era fundado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sem que tal decisão tenha merecido reclamação da parte do recorrente.

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