TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

509 acórdão n.º 221/20 de insatisfação ou de discordância da arguida em relação ao desempenho ou às opções tomadas por aquele (sendo certo, no entanto, que em momento algum foram manifestadas nos autos as razões de tal pedido), a verdade é que daí não decorre necessariamente que a arguida se deva considerar desprovida do direito a ser assistida por defensor.» 11. Tal como sucede no caso vertente, as normas apreciadas nos arestos citados não incorporavam os motivos concretos subjacentes aos pedidos de cessação da intervenção do primitivo defensor. Em ambos os casos, o juízo de não inconstitucionalidade repousou no facto de aqueles pedidos não implicarem a cessação dos deveres de representação e assistência do defensor, a qual apenas sobrevém no momento da nomeação ou constituição de outro advogado. O defensor nomeado, enquanto se mantiver em funções, encontra-se adstrito a todo um conjunto de deveres funcionais e deontológicos, salientando-se o dever de assegurar uma adequada transição em caso de substituição da representação, ainda quando haja motivo justificado para a cessação do patrocínio (artigo 100.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados). Em suma, o defensor tem o dever de assegurar a representação efetiva do arguido. Está claro que este dever de representação efetiva não se confunde, como parece supor o recorrente, com a vinculação servil do defensor a que o arguido seja «representado de acordo com a sua legítima e soberana vontade, ainda que essa vontade possa até ser tecnicamente incorreta» Pelo contrário, os advogados têm o dever de «[n]ão advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade» [artigo 90.º, n.º 2, alínea a) , do Estatuto da Ordem dos Advogados]. O advogado, mesmo quando desempe- nhe as funções de defensor em processo penal, não tem o dever de adotar todo o comportamento processual pretendido pelo seu representado, nomeadamente invocando razões jurídicas ou de facto que repute incorretas ou falsas, ainda que dessa invocação possam resultar consequências desejadas pelo arguido. Na verdade – e este aspeto é decisivo – a mera divergência entre defensor e arguido não constitui, no universo deontológico próprio da advocacia, razão para o deferimento de pedido de dispensa ou de substituição, pelo que não se pode presumir a debilidade ou insuficiência da representação a partir do facto da apresentação do pedido de dispensa. De resto, o argumento da recorrente prova demais, pois assenta no pressuposto de que os pedidos de dispensa são invariavelmente deferidos, resultando sempre numa substituição de defensor; ao invés, pode bem suceder que o pedido seja indeferido e o defensor se mantenha no exercício pleno das suas funções de representação do arguido. No entendimento do recorrente, a quebra da confiança que implica a ausência de representação efetiva dá-se – ou, melhor dizendo, evidencia-se –, não com o deferimento do pedido de dis- pensa, mas com o mero facto da sua apresentação. Depreende-se que a única forma de assegurar a representa- ção efetiva do arguido, segundo esta ordem de considerações, seria determinar a substituição do defensor em todos os casos em que o pedido tenha lugar – o mesmo é dizer, conceder, quer ao defensor, quer ao arguido, o direito potestativo de extinguir a representação. Ora, uma tal solução, para além de não ter o menor respaldo legal − note-se que o artigo 42.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, determina que, no prazo de cinco dias, a Ordem dos Advogados «aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa» −, subverteria a natureza da relação de patrocínio judiciário, e poria em causa, quando se tratasse da extinção por iniciativa do defensor, a própria garantia de assistência por advogado conferida pelo n.º 3 do artigo 32.º da Constituição. Como se concluiu no Acórdão n.º 487/18, «[n]ão se vê (…) de que modo tal pedido, em si mesmo, e abstraindo das razões que o possam ter motivado (razões essas que, repete-se, não estão demonstradas nos autos), possa impedir o defensor de cumprir as funções que lhe estão cometidas, inclusivamente recorrendo da sentença proferida em 1.ª instância. Por essa razão, não se poderá considerar que a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido exija que, perante um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante a Ordem dos Advogados – e independentemente das razões de tal pedido –, se suspenda ou inter- rompa o prazo em curso até que se mostrasse decidida a questão respeitante a tal pedido de substituição». A propósito das implicações da solução legal da continuação do prazo no caso particular do exercício do direito ao recurso em processo penal, o Tribunal afirmou ainda no Acórdão n.º 314/07:

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