TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
507 acórdão n.º 221/20 Com efeito, os regimes da escusa e da dispensa são diversos, designadamente quanto aos efeitos da apre- sentação do pedido na contagem dos prazos. Ao passo que o pedido de escusa do patrocínio, quando comu- nicado ao processo em que tal patrocínio seja exercido, interrompe o prazo processual que esteja em curso (artigo 34.º, n.º 2), o pedido de dispensa de advogado nomeado defensor não tem nenhum efeito sobre a contagem dos prazos no processo penal, embora o pedido seja objeto de apreciação e deliberação pela Ordem dos Advogados no prazo de cinco dias (artigo 42.º, n.º 2) e o defensor nomeado se mantenha em funções até ser substituído (artigo 42.º, n.º 3). Presume-se que esta diferença de soluções em matéria de contagem de prazos tenha a sua razão de ser na importância acrescida da celeridade na administração da justiça penal; a diferença de soluções, por seu turno, justifica a imposição legal da continuação em funções do defensor primitivo até que tenha lugar a sua substituição. Ora, a principal questão que se coloca no presente recurso é a de saber se esta solução – a continuação do prazo na pendência do pedido de dispensa do defensor, acompanhada da continuidade da representação assegurada por este até que tenha lugar a sua substituição – é conforme ao artigo 32.º, n. os 1 e 3, da Consti- tuição, que determina dever o processo penal assegurar todas as garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao recurso, nomeadamente a plena assistência do arguido por defensor. O recorrente não contesta que o patrocínio do defensor se mantém ao longo de todo o período que medeia entre o depósito do acórdão e a nomeação de novo defensor. Porém, alega que, «quando haja demons- trada incompatibilidade de estratégia de defesa entre um defensor nomeado e um arguido, consubstanciada na discordância quanto à decisão de recorrer, ou não, da decisão final condenatória, pretendendo o arguido fazê-lo e apresentando o defensor escusa por não o pretender», o dever do defensor de assegurar a sua plena representação em juízo se afigura meramente nominal, senão mesmo contrária aos princípios legais e deon- tológicos que respeitam ao exercício da advocacia, designadamente a autonomia técnica do advogado e a liberdade no exercício das funções. O arguido – conclui − «fica assim verdadeiramente não representado de acordo com a sua legítima e soberana vontade, ainda que essa vontade possa até ser tecnicamente incorreta como se venha a entender com a prolação do acórdão em recurso». 10. O Tribunal Constitucional apreciou a questão de constitucionalidade que se coloca no presente recurso, nos seus traços fundamentais, no Acórdão n.º 314/07 e, mais recentemente, no Acórdão n.º 487/18. No primeiro dos arestos citados estava em causa, não um pedido de dispensa do defensor do arguido, mas uma renúncia ao mandato forense. O Tribunal foi chamado a apreciar a constitucionalidade da aplica- ção analógica ao processo penal da norma do artigo 39.º do Código de Processo Civil, nos termos de que «a renúncia de mandatário constituído do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende a contagem deste com a notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa contagem com a constituição de novo mandatário». O Tribunal começou por reiterar o entendimento consolidado na jurisprudência constitucional sobre o direito de defesa do arguido em processo penal, no sentido de nele se compreenderem não apenas as dimensões expressamente consagradas nos diversos números do artigo 32.º da Constituição, como as demais que decorram do imperativo de defesa efetiva do arguido no quadro de um processo equitativo, «no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi , deve atuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, de ser jul- gado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido». Prosseguindo do plano geral para o domínio particular do direito ao recurso, o aresto reconheceu neste a necessidade de normas que assegurem ao arguido afetado por uma decisão desfavorável, mormente condena- tória, a possibilidade de examinar criteriosamente os respetivos fundamentos, formando nessa base um juízo informado sobre a oportunidade de interposição de recurso; para tanto concorre naturalmente a garantia de
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