TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
505 acórdão n.º 221/20 interposição de recurso de constitucionalidade –, o recorrente incorpora no objeto do recurso a circunstância de o advogado que formulou pedido de dispensa o ter feito «por não pretender interpor recurso e o arguido manifest[ar] nos autos que o pretendia». Na versão constante das alegações, o recorrente incorpora no objeto do recurso a circunstância de tal pedido de dispensa ser «acompanhado de manifestação de vontade do arguido em recorrer com outro advogado, ainda que deficientemente expressa», omitindo a pretensão do advogado peticionante da escusa de não interpor recurso. O recorrente procurou desta forma assegurar a correspondência integral entre o objeto do recurso e a ratio decidendi . Para esse efeito, impõe-se uma depuração adicional do enunciado, suprimindo o segmento que se prende com a manifestação de vontade do arguido em recorrer com outro advogado. Com efeito, para decidir que a formulação do pedido de escusa à Ordem dos Advogados e sua comunicação ao processo não interrompia o prazo para interposição de recurso que estava em curso, o Tribunal da Relação de Lisboa não atribuiu relevância a uma putativa divergência entre o arguido e o defensor quanto ao exercício desse direito ou a uma manifestação de vontade do arguido, ainda que imperfeita, de recorrer com o patrocínio de outro advogado. Ainda que tal tenha sido alegado pelo recorrente – com base exclusivamente em inferências extraídas de uma missiva remetida aos autos pelo arguido (fls. 23 563), uma vez que no requerimento que dá conta do pedido de dispensa nada se refere a respeito dos motivos subjacentes –, a verdade é que o Tribunal da Relação não atribuiu pertinência a tais elementos. Afirmou-o expressamente: «para o tribunal criminal é completamente irrelevante que tenha havido divergências entre o arguido e o seu defensor quanto à interpo- sição do recurso, ou se foi esse o verdadeiro fundamento para o pedido de escusa». A identidade entre a norma sindicada e a ratio decidendi é um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, encontrando a sua razão de ser na natureza instrumental deste recurso em relação ao processo de que advém – o mesmo é dizer, na utilidade da pronúncia do Tribunal Constitucional. Acresce que o objeto do recurso se define irremediavelmente no requerimento de interposição ou na resposta a convite ao aperfeiçoamento daquele, quando tal convite tenha lugar. Por estas razões, pode duvidar-se da admissibilidade do presente recurso. Sucede que a norma aplicada nos autos se aplica a todos os casos em que o defensor tenha apresentado pedido de dispensa, nomeadamente aqueles em que a causa deste pedido é a divergência entre defensor e arguido a respeito da oportunidade de praticar um ato processual cujo prazo se mantém em curso. O recorrente alega que, «quando haja demons- trada incompatibilidade de estratégia de defesa entre um defensor nomeado e um arguido, consubstanciada na discordância quanto à decisão de recorrer, ou não, da decisão final condenatória, pretendendo o arguido fazê-lo e apresentando o defensor escusa por não o pretender», a representação processual do arguido pelo defensor é meramente nominal, tanto mais que a este caberia preparar a prática de um ato – o recurso – que entende não dever ser praticado, tendo sido esse «o motivo do pedido de escusa». Sendo certo que nos autos não se demonstrou a referida incompatibilidade, o que merece a censura constitucional do recorrente é exa- tamente a indiferença da lei, no que a continuação de prazos processuais diz respeito, em relação ao que o recorrente supõe serem motivos típicos ou comuns do pedido de dispensa. No seu juízo, a lei deveria partir da presunção de que o pedido de dispensa evidencia uma perturbação na relação entre arguido e defensor que põe em causa a efetividade da representação. Assim, considera-se que o recorrente, pese embora se tenha expressado imperfeitamente, sindicou a norma aplicada nos autos, podendo esta com rigor ser enunciada nos seguintes termos: artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e artigo 66.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que o prazo para interpor recurso de acórdão condenatório depositado na secretaria se conta desde a data do depósito, não se interrompendo na pendência de pedido de dispensa do defensor junto da Ordem dos Advogados devidamente comunicada aos autos. Este o objeto do presente recurso. Cabe agora apreciar a sua constitucionalidade.
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