TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

502 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1 da CRP quando interpretadas no sentido plasmado no douto acórdão do TRL que indefere a reclamação deduzida pelo arguido ora recorrente contra o despacho que não admitiu o recurso por si interposto do douto acórdão condenatório proferido em primeira instância, por alegada intempestividade. B) Com efeito, quando haja demonstrada incompatibilidade de estratégia de defesa entre um defensor nomeado e um arguido, consubstanciada na discordância quanto à decisão de recorrer, ou não, da decisão final conde- natória, pretendendo o arguido fazê-lo e apresentando o defensor escusa por não o pretender, deve conduzir à interrupção do prazo para oferecimento do recurso até que seja nomeado novo defensor ao arguido. C) Interpretação diversa viola o disposto no art.º 32.º, n.º 1 e n.º 3 da CRP por ofender as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito a ser acompanhado em todos os atos processuais por defensor, o que aqui fica em crise no período que medeia entre o depósito do acórdão e a nomeação e novo defensor. D) Sempre que um arguido manifeste na pendência do prazo para interposição de recurso pretender recorrer – ainda que o faça de forma deficiente – e seja notório que tal vontade não é acompanhada pelo seu defensor – nomeadamente por o mesmo pedir escusa após acompanhamento do arguido em todo o processo e apenas o fazer na pendência de tal prazo, quando o único ato processual a praticar é o recurso – não pode deixar-se de entender que o arguido não está devidamente representado por defensor, pelo que o tempo decorrido até à nomeação de novo defensor deve ser inutilizado por via da interrupção do mesmo, apenas se iniciando com a nomeação de novo defensor. E) Interpretação diversa colide de forma evidente com o disposto naqueles citados preceitos constitucionais (art.º 32.º, n. os 1 e 3 da CRP) esvaziando as garantias de defesa do arguido que fica assim verdadeiramente não representado de acordo com a sua legítima e soberana vontade, ainda que essa vontade possa até ser tec- nicamente incorreta como se venha a entender com a prolação do acórdão em recurso. F) São também inconstitucionais as referidas normas, na interpretação referida – que é aquela que é defendida pelo acórdão proferido pelo TRL no âmbito da reclamação apresentada pelo arguido – por violação do art.º 13.º, n.º 1 da CRP na interpretação da não interrupção do prazo numa situação como a dos autos, por con- substanciar uma interpretação geradora de desigualdade injustificada entre os direitos conferidos ao arguido e aos demais coarguidos, visto que o prazo de 60 dias conferido ao primeiro é menor – na prática, entenda-se – que o prazo de 60 dias conferidos aos demais, sem qualquer justificação atendível.  G) Não se admitir a interrupção do prazo em curso, perante o circunstancialismo descrito, é aceitar-se que um arguido na situação da do ora recorrente apenas terá o prazo correspondente ao período que mediar entre a nomeação do novo patrono e o terminus do mesmo desde o depósito – sendo que a celeridade da nomeação não depende da iniciativa do arguido mas da Ordem dos Advogados e/ou do Tribunal – prazo esse que pode dar-se o absurdo de ser um mero dia. H) A Constituição não permite que a um arguido seja dado um tratamento diferenciado face aos demais sem que haja motivo aparente, o que numa situação com a ora descrita não acontece. I) Finalmente, o arco normativo sempre antes referido é ainda inconstitucional por violação do art.º 20.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP, na medida em que restringe, de facto, a liberdade de acesso ao Direito e aos Tribunais pelo arguido representado no âmbito do apoio judiciário, não lhe permitindo ser julgado através de um processo equitativo que lhe permita, entre outros, um efetivo direito a sindicar as decisões contra si proferidas nos termos que a Lei permite a quaisquer outros cidadãos. J) Além disso, um arguido na situação do ora recorrente vê-se negativamente descriminado face à sua incapaci- dade económica para livremente constituir um mandatário – contratado, entenda-se – que pudesse assumir o processo sem a dependência de entidades terceiras que assegurem a nomeação. K) Decisão idêntica foi já proferida por este mesmo Tribunal Constitucional no âmbito do acórdão n.º 159/04 numa situação fáctica em tudo semelhante à do processo ora em apreciação, impondo-se, pois, a coerência do tratamento jurisprudencial do arguido. L) Deverá, pois, considerar-se que numa situação como a dos presentes autos, a única interpretação conforme com a Constituição da República Portuguesa das normas dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, da

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