TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
494 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite. Enquanto garantia da possibilidade de realização dos demais direitos fundamentais, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva concretiza um dos elementos essenciais do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição), sendo essa a principal razão por que surge consagrado no artigo 20.º da Constituição em termos tão compreensivos quanto particularizados. Para além de assegurar a todos o direito de ação propriamente dito – isto é, a faculdade de submeter determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional para defesa de um direito ou de um inte- resse legalmente protegido (n.º 1) –, a garantia da via judiciária ínsita no artigo 20.º inclui outras dimensões, igualmente indispensáveis à concretização de uma tutela jurisdicional efetiva, com especial destaque, no que aqui especialmente releva, para a chamada regra do processo equitativo, explicitada no respetivo n.º 4 após a revisão de 1997 (cfr. Acórdão n.º 16/18). Dela resulta que o processo, uma vez iniciado, deverá desenvolver- -se em termos funcionalmente orientados para o asseguramento de uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. Acórdão n.º 632/99). Assim, ainda que o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo – cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, bem o interesse próprio de todas as partes –, os regimes adjetivos previstos devem, à luz do prin- cípio do processo equitativo, revelar-se, em qualquer caso, funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tri- bunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra, 2003, p. 839, e ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 122/02, 403/02 e 350/12). 19. Conforme visto já, a norma impugnada integra o regime processual a que se encontra sujeita a fase da venda dos bens penhorados no âmbito do processo executivo fiscal, dela resultando que na venda por negociação particular de bem penhorado não é obrigatória a notificação do executado da proposta de aquisi- ção desses bens que veio a ser aceite, assim como do dia e hora marcados para e efetivação da venda. A informação cuja notificação é dispensada, é, no entanto, aquela que desencadeia a possibilidade de exercício do direito de remição dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, surgindo como a única forma de, através do processo, assegurar o seu conhecimento pelo executado, colocando-o em condições de poder transmitir essa informação aos seus familiares para que, querendo, o exerçam. Se tal notificação for dis- pensada, o executado, in extremis, apenas conseguirá inteirar-se dessa informação, pelo menos em momento compatível com a comunicação eficaz aos seus familiares, se se deslocar diariamente ao serviço onde corre termos a execução – situação que pode perdurar durante meses ou anos –, o que, pelas razões expostas, difi- culta de forma não desprezível o exercício do direito de remição em momento compatível com a observância do prazo de caducidade a que o mesmo se encontra sujeito e, consequentemente, a faculdade que a lei atribui aos respetivos titulares de assegurarem a preservação do bem penhorado no círculo familiar do executado. Ao afetar com relevo as condições em que o remidor pode aceder ao processo para nele exercer eficazmente esse seu direito, a norma impugnada encontra-se sujeita aos limites que o princípio da proibição do excesso, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, fixa às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Recorrendo à metódica assente no triplo teste desde há muito seguida na jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 634/93), importa, assim, verificar se a dispensa de notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer configura, relativamente ao fim visado, uma medida adequada; num segundo momento, impõe-se averiguar se a compressão do princípio do processo equitativo implicada na solução fiscalizada é exigida pela prossecução do fim visado ou, pelo contrário, o legislador poderia ter lançado mão de um outro
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