TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
491 acórdão n.º 219/20 14. Prevalecendo sobre qualquer direito de preferência (artigo 914.º, n.º 1, do CPC) – o que faz com que seja considerado um direito de preferência qualificado (José Lebre de Freitas, A ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 388) –, o direito de remição é exercido dentro dos prazos que a lei para o efeito estabelece, tendo em conta a modalidade de venda a seguir e a necessidade, ou não, da sua formalização por escrito. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 913.º do CPC, na redação conferida pelo Decreto- -Lei n.º 38/2003, o direito de remição pode ser exercido, no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título de transmissão dos bens ao proponente ou no prazo e nos termos do n.º 4 do artigo 898.º; nas outras modalidades de venda, designadamente na venda por negociação particular, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. Até à reforma do CPC operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, o direito de remição podia ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título, ou dentro dos dez dias subsequentes ao conhecimento da venda, caso este fosse superveniente. Era o que resultava da parte final da alínea b) do artigo 913.º, na sua versão originária. Tal solução, se poderia encontrar justificação no facto de a venda por negociação particular não se encontrar sujeita à mesma forma de publicidade prevista para a venda judicial de bens, era fonte de «grandes perturbações [...] quanto ao destino dos bens adquiridos em execução, que poderiam ser reclamados mesmo ao fim de vários anos pelo remidor, a implicar quebra de interesse por parte de possíveis compradores e o aviltamento do preço da venda» (Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução , 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 389). Com a reforma de 1995, a possibilidade de o direito de remição ser ainda exercido no prazo de dez dias a contar da data em que o remidor tivesse conhecimento da venda foi por isso eliminada. Visou-se, assim, garantir a estabilidade da venda realizada no âmbito do processo executivo, tutelando a confiança legitima- mente depositada pelo comprador de boa fé na validade e eficácia da transmissão do bem penhorado. O reforço da posição do comprador – que deixou de poder ser surpreendido pelo eventual exercício do direito de remição depois de consumada a venda – gerou um resultado inversamente proporcional quanto à proteção conferida ao remidor. Mesmo não sendo parte no processo, o remidor passou a ter o ónus de acompanhar, direta ou indire- tamente, o desenvolvimento dos atos de execução, nomeadamente os relativos ao estado da venda dos bens penhorados, de modo a poder exercer esse seu direito antes de consumada a alienação, sob pena de caduci- dade [artigo 913.º, n.º 1, alínea b) ]. Tal solução transitou sem alterações de sentido para o novo CPC, constando atualmente do seu artigo 843.º, n.º 1. 15. Sendo exercido o direito de remição, é ao encarregado da venda que cabe aferir, em primeira linha, da verificação dos respetivos pressupostos de validade e eficácia, e, na hipótese de os considerar verificados, proceder à alienação do bem penhorado através da sua venda direta ao remidor. Mesmo antes da reforma de 95, tanto na doutrina como na jurisprudência se entendia já que, «[e]m princípio, a remição torn[a] automaticamente definitiva a venda», no sentido em que, apresentando-se a pessoa com direito a remir antes de entregue o bem ou assinado o título, «o próprio encarregado da venda, concordando o pretendente comprador, lha pode fazer diretamente, dispensando a intervenção judicial. Só quando isso não suceda, o remidor terá de recorrer ao juiz» (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Ação Execu- tiva , Coimbra, 1996, Livraria Almedina, 3.ª edição, 2.ª reimpressão, p. 620, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de abril de 1995, in Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Coimbra, Palácio da Justiça, Ano III, Tomo I, 1995, pp. 161 e 162). Em caso de dissídio entre encarregado da venda, proponente comprador e remidor, a questão é dirimida pelo juiz através de incidente enxertado na ação executiva. Nesta hipótese, se a venda ao proponente com- prador se tiver já concretizado no momento em que é deferida a remição do bem, ou nas hipóteses em que o
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