TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do disposto no artigo 2.º do CPPT, aditou o tribunal recorrido o n.º 3 do artigo 252.º deste último diploma do qual, por dele igualmente decorrer a dispensa dessa notificação. Assim, deve considerar-se que o objeto do presente recurso é integrado pela norma extraída dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, 229.º, n. os 1 e 2, ambos do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, todos na redação subsequente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38/2003, quando interpretados no sentido de que «a notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particu- lar e do momento em que essa venda vai ocorrer não é obrigatória». Com a indicação de que todos os artigos doravante mencionados sem qualquer outra indicação se refe- rem ao (velho) CPC e ao CPPT, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 38/2003, é essa a norma que cumpre confrontar com a Constituição. B. Do mérito 13. Para melhor compreender a racionalidade subjacente à norma sindicada, é útil começar por explicitar o essencial do regime do direito de remição no âmbito do processo de execução, atentando, para esse efeito, no quadro definido no CPC, na medida em que, por força do artigo 258.º do CPPT, o direito de remição no âmbito dos processos de execução fiscal é reconhecido nos termos previstos naquele primeiro diploma. A lei processual civil atribui ao cônjuge e aos parentes em linha reta do executado um direito especial de preferência, denominado direito de remição, que tem por finalidade a proteção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado (cf. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva – Depois da Reforma – 5.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 332). Com raízes profundas no nosso sistema jurídico, o direito de remição consiste, assim, em «se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução» (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476). Trata-se, pois, de um direito potestativo de formação processual, cujos efeitos coincidem com os do direito de preferência: através do exercício do direito de remição, o remidor faz seu o bem penhorado pelo preço que tiver sido oferecido pelo adjudicatário ou proponente comprador, assegurando, por essa via, a permanência do bem penhorado no património familiar do executado sem prejuízo para os credores deste. Isso mesmo foi sublinhado no Acórdão n.º 277/07, onde a tal propósito se escreveu o seguinte: «Embora na sua atuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de prefe- rência tem por base uma relação de caráter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdo- bramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de caráter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, já “o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas” (José Alberto dos Reis, obra citada , pp. 477-478). A proteção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é objetivo da consagração do direito de remição unanimemente reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina (cf., além dos autores já citados, Miguel Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular , Lisboa, 1998, p. 381; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, p. 341; José Lebre de Freitas, A Ação Executiva , Coimbra, 1993, p. 272; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 621; e J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto , Porto, 1998, p. 357)».
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