TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

489 acórdão n.º 219/20 «em conformidade com a CRP», determinou a anulação do despacho então reclamado, por «erro nos seus pressupostos de direito», na medida em que baseado numa interpretação inconstitucional da lei. 11. Decomposta a estrutura do juízo decisório formulado na sentença recorrida, duas conclusões pare- cem tornar-se neste momento evidentes. A primeira diz respeito à natureza do fundamento que conduziu à anulação do despacho proferido pelo órgão de execução fiscal. Conforme resulta do percurso argumentativo desenvolvido pelo Juiz a quo, o fun- damento de tal anulação foi encontrado, não na violação da lei pelo despacho reclamado, mas na violação da Constituição pela lei (norma) nele aplicada. Por outras palavras: o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal a quo surge, na econo- mia da decisão recorrida, como o único fundamento hermenêutico suscetível de justificar a substituição da norma aplicada pelo órgão de execução fiscal ao caso dos autos pelo critério normativo inverso; isto é, da norma segundo a qual não é obrigatória a notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer, pela norma segundo a qual tal notificação é obrigatória, igualmente extraída dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, e 229.º, n. os 1 e 2, ambos do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, na redação ora considerada. A segunda conclusão – decorrente, em parte, da anterior – diz respeito ao verdadeiro alcance da opção por uma «interpretação em conformidade com a CRP», efetuada pelo tribunal a quo. Tal interpretação, orientada pelo intuito de conferir ao “arco legal” aplicável um sentido compatível com a Constituição, implicou a rejeição, com fundamento em inconstitucionalidade, do outro sentido possível da mesma norma – correspondente à dispensa de notificação –, sendo nessa medida equiparável à recusa de aplicação de norma para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Embora o tribunal a quo o não tenha referido de forma expressa, o facto é que, ao dirimir o caso con- creto, acabou por afastar um dos sentidos possíveis da norma – não só o mais conforme ao sentido literal dos preceitos invocados, como aquele que a jurisprudência lhes vem comummente conferindo –, o que fez com fundamento exclusivo na sua incompatibilidade com a Constituição. Tanto basta para se considerar aberta a via de recurso prevista no artigo 70.º, n.º l, alínea a) , da LTC, respeitante à norma segundo a qual «a notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer não é obrigatória», que o tribunal recorrido considerou extrair-se dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, 905.º e 229.º, todos do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, nas redações aqui aplicáveis. 12. O arco legal convocado na sentença recorrida carece, contudo, de alguma precisão. Conforme evidenciado até pela fundamentação constante do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo que a sentença recorrida cita para caracterizar a norma desaplicada, esta extrai-se, em rigor, dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, e 229.º, n. os 1 e 2, do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, ficando a simultânea invocação do regime constante do artigo 905.º daquele diploma tão-somente a dever-se ao intuito de sina- lizar a específica modalidade da venda do bem penhorado concretamente em causa, o facto de se tratar de venda por negociação particular. A possibilidade de dispensar a notificação ao executado «do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer» decorre, segundo resulta do acórdão citado, da conjugação do regime à data previsto no artigo 886.º-A, n. os 1 e 4, do CPC – que limitava os atos dependentes de notificação ao despacho que fixa a modalidade de venda a seguir e o valor base dos bens a vender – com o disposto no artigo 229.º, n. os 1 e 2, do mesmo diploma legal – que estabelecia, como regime geral, a dispensa de notificação às partes das diligências, meramente executivas, que visam concretizar, no plano prático, uma venda extrajudicial já previamente definida nos seus elementos essenciais. Aos referidos preceitos legais, subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal por força

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