TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
488 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no estabelecimento da conclusão obtida na medida em que fora já afastada por razões de legalidade (entre outros, cf. Acórdãos n. os 62/84, 138/85, 14/91, 634/94, 152/98 e 389/98). Diversamente, se a questão é colocada pelo tribunal recorrido, não no «plano da melhor interpretação da norma, mas antes no plano da sua necessária interpretação, para evitar um sentido inconstitucional» (Acórdãos n. os 500/96 e 1020/96), estaremos perante um caso de verdadeira recusa de aplicação, o que se tornará especialmente evidente se a norma desaplicada, na interpretação indicada, for «a que corresponde ao entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, da mesma» (Acórdão n.º 500/96) e tiver sido apli- cada na decisão que o tribunal recorrido, com esse exclusivo fundamento, critica e revoga. Nesta hipótese, em que o apelo à Constituição surge, não como mero conforto da interpretação alcançada no estrito plano infraconstitucional, mas como fundamento – como o único fundamento – para afastar a sujeição do caso à incidência da norma que, de outro modo, se prefiguraria como aplicável, o conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade não só é útil, como constitui a única via para impedir o trânsito em julgado na ordem dos tribunais comuns de uma decisão cujo sentido se baseou exclusivamente num juízo de incons- titucionalidade. Se tais condições se verificarem de facto, não é determinante que o tribunal recorrido não tenha forma- lizado a recusa de aplicação da norma em causa, nem mesmo que haja classificado de interpretação conforme à Constituição o processo de obtenção da norma alternativa: como se escreveu logo no Acórdão n.º 137/85, «(…) à recusa de aplicação de norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade», há de equiparar-se, neste caso, «o juízo de inaplicabilidade de norma que decorra, única ou primacialmente, da sua interpretação conforme à Constituição». 10. Ao definir a questão a decidir no âmbito da reclamação apresentada pela ora recorrida, o tribunal a quo considerou que a mesma consistia em saber se o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal – que indeferira o pedido de anulação da venda do imóvel objeto de penhora com fundamento, entre o mais, na inexistência do dever legal de notificar o executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular, nem do momento para a efetivação desta –, deveria ser «conside- rado ilegal por ter radicado numa interpretação da lei desconforme com a CRP». Fixando o ponto de partida para solucionar tal questão, o Juiz a quo começou por considerar a posição assumida pela jurisprudência face ao regime extraível dos «artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, e 905.º do CPC, e artigo 252.º do CPPT», na versão «vigente à data dos factos» – isto é, subsequente às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 –, reconhecendo ser «unânime» o entendimento segundo o qual, «“[n]ão existindo regime especial nas normas que regem a ação executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229.º», deste regime decorrendo «que não carecem de ser notificad[a]s às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada». Tal interpretação – a «interpretação adotada pela jurisprudência» – foi afastada com o argumento que com ela se produzia uma restrição «excessiva e, nessa medida, desproporcional [d]o direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos familiares do executado e titulares do direito de remição», e, na sequência de tal afastamento, alcançada pelo tribunal recorrido a solução oposta; isto é, a solução segundo a qual «as normas dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, artigo 905.º e do artigo 252.º do CPPT, nas redações aqui aplicáveis, devem ser interpretados com o sentido de que na venda por negociação particular de bem penhorado em processo de execução fiscal é obrigatória a notificação do executado da proposta de aquisição que veio a ser aceite, assim como do dia e hora marcados para a efetivação da venda, não sendo suficiente a notificação que deu conhecimento ao executado da modalidade da venda que iria ser prosseguida, por força do direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrados nos artigos 20.º, n. os 1 e 4, da CRP». Ao impor as notificações omitidas pelo órgão de execução fiscal, tal interpretação, que o tribunal recorrido considerou
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