TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

487 acórdão n.º 219/20 Já o artigo 252.º do CPPT, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, dispunha, no seu n.º 3, o seguinte: Artigo 252.º Outras modalidades de venda [...] 3 – Quando tenha lugar a venda por negociação particular, são publicitados na Internet , nos termos definidos em portaria do Ministro das Finanças, o nome ou firma do executado, o órgão por onde corre o processo, a iden- tificação sumária dos bens, o local, prazo e horas em que estes podem ser examinados, o valor base da venda e o nome ou firma do negociador, bem como a residência ou sede deste. (redação conferida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de março) Dos preceitos constantes dos artigos 886.º-A, n. os 1 e 4, e 229.º, n. os 1 e 2, ambos do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, entendeu o tribunal recorrido extrair-se, a contrario sensu , a norma segundo a qual «a notifi- cação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer não é obrigatória». E que tal norma, pelas razões expostas na declaração de voto aposta pelo Juiz Conselheiro Cura Mariano ao Acórdão n.º 419/16, às quais aderiu e que retomou, é inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrados nos artigos 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, razão pela qual não poderia ter sido aplicada, como efetivamente o fora, pelo órgão de execução fiscal, no despacho em que indeferira o pedido de anulação da venda apresentado pela ora recorrida, com fundamento na inexistência do dever legal de notificação do titular do direito de remição, assim como do próprio executado, das propostas apresentadas com vista à aquisição dos bens penhorados por negociação particular, então impugnado. 9. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do 70.º da LTC. Conforme assinalado na jurisprudência deste Tribunal, o conhecimento do objeto dos recursos funda- dos na alínea a) do n.º 1 do 70.º da LTC depende da verificação de dois pressupostos de admissibilidade específicos. Na formulação adotada no Acórdão n.º 530/19, exige-se: i) que a decisão recorrida tenha recu- sado efetivamente a aplicação de uma certa norma ou interpretação normativa, relevante para a resolução do caso; e ii) que tal recusa de aplicação se funde num juízo de inconstitucionalidade. Ambos os pressupostos se encontram verificados no caso presente. A verificação do primeiro deles não exige que a decisão de que se recorre haja recusado, por forma expressa, a aplicação da norma que integra o objeto do recurso. É suficiente uma recusa implícita (cf. Acór- dão n.º 584/96), contando que tal recusa integre a ratio decidendi da solução jurídica alcançada pelo tribunal a quo. E também não é necessário que a recusa incida “em bloco” sobre a totalidade da norma, bastando a “escolha” de uma certa medida ou dimensão interpretativa dessa norma (Acórdão n.º 500/96) e o seu afasta- mento com fundamento num juízo de inconstitucionalidade. Para distinguir as situações de verdadeira recusa, expressa ou implícita, de aplicação de normas das hipó- teses em que tal recusa, não obstante formalizada, é apenas aparente, o Tribunal tem vindo a seguir um crité- rio baseado no estatuto que o apelo à Constituição assume no juízo decisório subjacente à decisão recorrida. Assim, se, no iter lógico-argumentativo seguido pelo tribunal a quo, o «apelo à Constituição (…) tra- duz, apenas, um reforço do resultado interpretativo a que se chegou por via do direito infraconstitucional» (Acórdão n.º 285/02) ou constitui um «mero argumento de conforto da justeza do entendimento a que ante- riormente se chegou quanto à interpretação tida por correta, ao nível da interpretação do direito ordinário aplicável» (Acórdão n.º 8/08), inexiste uma “verdadeira recusa” de aplicação de normas; neste caso, o juízo de inconstitucionalidade consubstanciará um simples obiter dictum ou um desenvolvimento argumentativo ad ostentationem, no sentido em que a norma atingida por aquele juízo acaba por assumir qualquer relevância

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