TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
472 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de uma obrigação pecuniária, seguramente que se não trataria de uma projeção dotada de suficiente den- sificação constitucional em termos de poder concretizar-se, de «forma minimamente adequada, a partir da própria Constituição» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 374). Do mesmo modo que se não trataria de uma dimensão que pudesse reconduzir-se «de modo imediato e essencial à ideia de dignidade da pessoa humana» (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 2009, p. 186) ou que pudesse dizer-se «essencial à realização do Homem como pessoa». Do que, na realidade, se trataria sempre – na verdade, trata – é (apenas) da conformação de uma posição jurídica passiva, que releva do âmbito das relações obrigacionais ou creditórias no domínio da regulação do tráfico jurídico, e cujo conteúdo carece, por isso, de ser previamente determinado através de indispensável intermediação legislativa. 12. Veja-se, por último, que o direito de propriedade privada não se encontra garantido em termos absolutos, mas apenas, como resulta do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, dentro dos limites e com as restrições previstas quer na própria Constituição, quer na lei, quando aquela remeta para esta a regulação de tais matérias. Ora, um desses limites decorre justamente do n.º 3 do artigo 205.º da Constituição, onde se estabelece que «[a] lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução». Concretizando esta remissão para fonte legal, a norma sindicada instituiu um mecanismo coercitivo de natureza patrimonial destinado a garantir a atuação da decisão judicial no cumprimento de obrigações de natureza pecuniária, que envolve a aplicação automática de uma sanção, igualmente pecuniária, na hipótese de a simples previsão legal não ser suficiente na consecução do acatamento da condenação principal. Em suma: a norma constante do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho – editado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, na versão resultante da Lei Constitucional n.º 1/82, correspondente à alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º do texto atualmente em vigor – não padece de inconstitucionalidade orgânica, nos termos da alínea b) do [n.º 1 do] artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não contende com matérias respeitantes a direitos, liberdades e garantias. Consequentemente, inexiste qualquer violação do invocado princípio da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da Constituição), designadamente ao nível das competências legislativas (único em que, em face da escassez de fundamentação da recorrente, a violação deste princípio poderia, em abstrato, equacionar-se) atribuídas ao órgão legislativo em causa (artigo 198.º da Constituição), na medida em que, como se viu, a reserva relativa de competência da Assembleia da República não foi invadida pelo Governo quando, através do Decreto-Lei n.º 262/83, aditou ao Código Civil o n.º 4 do seu atual artigo 829.º-A. O recurso deverá, pois, ser julgado improcedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho; e, em consequência, b) Julgar improcedente o presente recurso. Lisboa, 17 de abril de 2020. – João Pedro Caupers.
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