TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

47 acórdão n.º 30/20 litigância de má fé (enquanto conduta eticamente censurável), precisamente dado aquele regime legal dos recursos que não permite ao Juiz decidir logo da sua admissão, antes tendo que esperar pelas contra-alegações da outra parte, ou pelo decurso do respetivo prazo (vide o artigo 638.º, n.º 5, do CPC: “Em prazo idêntico ao da interposição, pode o recorrido responder à alegação do recorrente”, e o seu artigo 641.º, n.º 1, ab initio . “Findos os prazos con- cedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados”). E as partes ( rectius , os seus advogados) devem saber desse regime e não vir logo peticionar a suspeição do juiz do processo – que foi aqui um expediente usado apenas para parar o andamento da execução. Não é admissível que possa concluir-se por qualquer parcialidade do juiz, ou sequer aceitável que a parte, sem arguir qualquer outra factualidade, pudesse legitimamente estar convencida do contrário. Pelo que será condenada em multa (artigo 27.º, n.º 3, do RCP).» 2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), «a fim de ver apreciada a seguinte questão de inconstitucionalidade»: «A interpretação do preceito constante no n.º 3 do artigo 123.º do Código de Processo Civil no sentido de que a decisão do Presidente do Tribunal da Relação que, julgando improcedente o incidente de suspeição de juiz, e condenando o recusante em multa por litigância de má fé, não tem de ser precedida da audição da parte interes- sada, quanto à aplicação de sanção em consequência de conduta processual censurável, viola os direitos de defesa e de contraditório contidos no direito a um processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. – A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente, porquanto a interpretação dada à norma na decisão recorrida foi de todo imprevisível, não podendo razoavelmente o recorrente contar com a sua aplicação; […].» 3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar. Apenas a recorrente apresentou alegações, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões: «I – Por douta Decisão Singular de 18 de dezembro de 2018, proferida pelo Exm.º Senhor Juiz Desembargador Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora foi indeferido o incidente de suspeição da Mm.ª Juíza titular do processo 26/18.8T8SLV-B do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Silves – Juízo de Execução, tendo a recorrente sido condenada em multa por litigância de má fé (artigo 27.º n.º 3 do RCP). II – OTribunal a quo interpretou a norma do artigo 123.º n.º 3 do Código de Processo Civil no sentido de julga- do improcedente o incidente de suspeição de juiz, a condenação em multa por litigância de má fé do recusan- te, não tem de ser precedida de audição prévia da parte interessada, omitindo-se o exercício do contraditório, o que constitui uma interpretação normativa inconstitucional, por violação do artigo 20.º números 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa III – O Tribunal a quo interpretou a norma do artigo 123.º n.º 3 do Código de Processo Civil no sentido de con- denar em multa por litigância de má fé, sem audição prévia da recorrente e sem exercício do contraditório, pois a recorrente nunca foi notificada para se pronunciar sobre a possibilidade de uma decisão nesse sentido. IV – O direito de acesso ao direito e aos tribunais, integrante do princípio do Estado de Direito Democrático e consagrado no artigo 20.º n.º 1 da CRP, proíbe a privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, assegurando o princípio do contraditório e o direito de defesa, conforme estabe- lece o artigo 20.º n.º 4 da CRP. V – A norma do artigo 123.º n.º 3 do CPC. interpretada no sentido de que a condenação por litigância de má fé e a multa aí previstas podem ser impostas à parte, sem que previamente lhe seja concedida a oportunidade de se pronunciar sobre tal sanção, viola os princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa consagrados no artigo 20.º da CRP.

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