TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

469 acórdão n.º 218/20 República estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, em concatenação com o dis- posto no n.º 1 do respetivo artigo 62.º Será assim? Constitui entendimento pacífico deste Tribunal que, por força da conjugação dos artigos 17.º e 168.º, n.º 1, alínea  b) , da Constituição, se encontram sob reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos» aos direitos, liberdades e garantias, por se verificarem, relativamente àqueles, as mesmas razões de ordem mate- rial que justificam a iniciativa legislativa parlamentar no tocante aos segundos (cf., entre outros, Acórdãos n. os  373/91, 431/94 e 491/02). Vista a esta luz, a tese da recorrente parece assentar em dois pressupostos, ambos essenciais à formu- lação de um juízo positivo de inconstitucionalidade: o primeiro é que, no âmbito material da garantia do direito fundamental à propriedade privada, se incluiu a diminuição patrimonial decorrente da obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória legal; o segundo é que esta dimensão daquele direito dispõe de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Mais até do que a primeira, é a segunda das premissas implícitas no argumento da recorrente que suscita inultrapassáveis dificuldades. Vejamos mais de perto. 9. A proteção do direito à propriedade encontra-se consagrada no artigo 62.º da Constituição, cujo n.º 1 dispõe que «[a] todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição». Na delimitação do âmbito e alcance desta garantia, a jurisprudência constitucional vem partindo da ideia segundo a qual o conceito constitucionalmente relevante de propriedade privada não tem um conteúdo idên- tico ou sobreponível ao seu correspondente conceito jus-civilístico. Assim é porque «o direito de propriedade a que se refere aquele artigo da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designadamente, os direitos de crédito e os “direitos sociais” – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades» (Acórdão n.º 491/02). Esta tendência para fazer convergir o conceito constitucional de propriedade com o de património (neste sentido, na doutrina, Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do estado e dever de indemnizar do legisla- dor , Coimbra, 1998, pp. 548 e 559), tem levado o Tribunal Constitucional a reconduzir ao objeto da garan- tia constitucional da propriedade privada as participações sociais (Acórdão n.º 391/02), o direito à firma (Acórdão n.º 139/04), a propriedade intelectual (Acórdão n.º 577/11) e, no que para o presente caso mais diretamente releva, os direitos de crédito. No que diz especificamente respeito à tutela constitucional dos direitos de crédito, escreveu-se no Acór- dão n.º 494/94: «Da garantia constitucional do direito de propriedade privada, há de, seguramente, extrair-se a garantia (cons- titucional também) do direito do credor à satisfação do seu crédito. E este direito há de, naturalmente, conglobar a possibilidade da sua realização coativa, à custa do património do devedor, como, de resto, se prescreve no artigo 601.º do Código Civil, que preceitua que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especiais estabelecidos em consequência da separação  de  patrimónios”  (cf., neste sentido, acórdão n.º 349/91, publicado no Diário da República , II série, de 2 de dezembro de 1991).» Da inclusão dos direitos patrimoniais privados, amplamente entendidos, no âmbito da garantia cons- titucional da propriedade, a consequência que este Tribunal vem extraindo é, pois, a garantia das posi- ções jurídicas ativas de índole patrimonial, mormente do direito do credor à satisfação do seu crédito, nele

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