TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
468 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da taxa anual legalmente fixada para o efeito, acrescendo a qualquer outra indemnização, incluindo mora- tória, a que haja lugar, sem qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária. A finalidade de ambas as sanções é, no entanto, a mesma: «levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal» (Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória , Coimbra, 1987, p. 456). É essa, de resto, a razão que tem levado a maioria da doutrina e da jurisprudência a considerar que os juros adicionais de 5% ao ano, previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, se destinam, em parte iguais, ao credor e ao Estado, encontrando-se também eles sujeitos ao regime estabelecido no respetivo n.º 3 ( idem , p. 458, e, no mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2019, acessível em www.dgsi.pt ). No caso presente, não está em causa a avaliação das particularidades específicas do regime previsto para a sanção pecuniária compulsiva legal ou respetivo âmbito de aplicação, definido no n.º 4 do artigo 829.º-A em função da natureza pecuniária da obrigação a que vai associada. Do que se trata é de saber se, ao instituir o adicional devido pelo não cumprimento atempado da obrigação pecuniária a que o devedor se encontra adstrito, o Governo exerceu uma competência legislativa reservada à Assembleia da República, designadamente por força das alíneas b) e i) do [n.º 1 do] respetivo artigo 165.º da Constituição. 7. Seja qual for a categoria que se tome por referência – imposto, taxa ou demais contribuições finan- ceiras a favor das entidades públicas, resulta do regime acima exposto que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil não tem qualquer afinidade com o conceito de tributo, a partir do qual se recorta a reserva relativa de competência da Assembleia da República constante da alínea i) do [n.º 1 do] artigo 165.º da Constituição. Não tem logo no plano subjetivo, uma vez que o tributo consiste numa prestação exigida a favor de enti- dades que desempenham funções ou tarefas públicas – o que exclui qualquer possibilidade de alocação, ainda que parcial, à satisfação de interesses titulados por particulares – a detentores de capacidade contributiva (imposto) ou a beneficiários ou causadores de uma prestação administrativa específica (taxa e contribuição financeira) – o que supõe coisa diferente do estatuto de sujeito passivo de uma obrigação civil de natureza pecuniária reconhecida por sentença transitada em julgado. E também não tem no plano funcional, desde logo porque a finalidade dos tributos não reveste natureza coercitiva, repressiva ou sancionatória. Como nota a este respeito José Casalta Nabais, «[…] do ponto de vista teleológico ou finalista, os tributos são exigidos pelas […] entidades que exerçam funções ou tarefas públicas para a realização dessas mesmas funções ou tarefas desde que não tenham caráter sancionatório. O que significa que os tributos podem ter uma finalidade não apenas financeira ou fiscal, mas também outras finalidades, como as econó- micas ou sociais, excluída que esteja [...]a função sancionatória» (“Sobre o Regime Jurídico das Taxas”, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Taxas_contribuicoes_financeiras.pdf , p. 14). É quanto basta para se concluir que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil não tem natureza tributária, não se incluindo, por isso, no âmbito da reserva relativa da competência da Assembleia da República estabelecida na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 8. De acordo com a recorrente, a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil consubstancia, em qualquer caso, uma afetação do direito de propriedade e, na medida em que este tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, apenas poderia ter sido introduzida no ordena- mento jurídico através do exercício da competência legislativa do Governo mediante prévia lei de autorização parlamentar. É o que crê resultar do âmbito material da reserva relativa de competência da Assembleia da
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