TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

467 acórdão n.º 218/20 Encontrando-se o recorrente impedido de proceder, em sede de alegações, à reconfiguração ou amplia- ção do objeto do recurso, este não poderá incluir as normas constantes dos n. os 1 a 3 do artigo 829.º-A do Código Civil – as quais, repete-se, não foram além do mais aplicadas pelo tribunal recorrido. É, portanto, apenas o n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil que cumpre seguidamente confrontar com o âmbito material da reserva relativa de competência da Assembleia da República estabelecida nas alí- neas b) e i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. B. Do mérito 6. A questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso consiste em saber se a norma do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil padece de inconstitucionalidade orgânica, decorrente da invasão do âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República em matéria de direitos liberdades garantias [alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição] e/ou em matéria fiscal [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição], que concretiza e densifica o princípio da separação dos poderes do Estado, consagrado no artigo 111.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Para responder a tal questão, importa fazer um enquadramento, ainda que breve, do instituto da sanção pecuniária compulsória contemplado no artigo 829.º-A do Código Civil. Como bem refere a recorrente, a figura da sanção pecuniária compulsória foi introduzida no ordena- mento jurídico português através do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho, que aditou ao Código Civil o seu atual artigo 829.º-A. A finalidade de tal aditamento encontra-se clarificada no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/83, onde pode ler-se o seguinte: «Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um caráter de coerção pes- soal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efetuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exata (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adota-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adotada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico». Na concretização de tal propósito, o artigo 829.º-A acolheu duas distintas modalidades de sanção pecu- niária compulsória, tendo em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se destina promover: a primeira, de natureza judicial, fixada pelo tribunal a requerimento do credor quando em causa esteja o cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível; a segunda, de natureza legal, previamente fixada por lei e de funcionamento automático, aplicável em caso de condenação no cumprimento de uma obrigação pecuniária de quantia certa. A principal diferença entre as referidas espécies – previstas, respetivamente, nos n. os 1 e 4 do artigo 829.º-A do Código Civil – reside, assim, na circunstância de a primeira depender da iniciativa do credor e carecer de ser fixada judicialmente, de forma casuística e segundo critérios de equidade, ao passo que a segunda – também designada de juros compulsórios legais – opera automaticamente e pelo valor resultante

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