TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
465 acórdão n.º 218/20 Aliás, o recorrente, nas suas sumariíssimas alegações, não adianta qualquer argumento ou sequer, referência quanto a esta matéria, ainda que tenha referenciado a alínea i) no seu requerimento. Pelo que, também a esta luz, não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica quanto ao n.º 4 do artigo 829.º do Código Civil. 3. Conclusões: 3.1. O n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho foi aditado ao Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho – que introduziu alterações nos Códigos Civil e Comercial e legislou em matéria de negócios usurários, taxas de juro, cláusulas penais e sanções pecuniárias compulsórias – tendo sido emitido pelo Governo. 3.2. Este normativo estabelece que quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. 3.3. Ao estabelecer esta sanção pecuniária compulsória o legislador teve como objetivo uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, visando o reforço da soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, e por outro lado, o favorecimento da execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. 3.4. O direito de propriedade previsto no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa não perten- cendo ao catálogo dos direitos liberdades e garantias, mas sendo reconhecido como um direito fundamental, pode beneficiar do estatuto de direito análogo aos direitos liberdades e garantias para os efeitos do artigo 17.º da Cons- tituição da República Portuguesa. 3.5. No entanto, o âmbito de aplicação do regime dos direitos liberdades e garantias ao direito de propriedade restringe-se apenas a uma parte, ao seu núcleo essencial e não à sua integralidade. 3.6. O direito de propriedade não sendo um direito absoluto contém em si mesmo limites imanentes definidos pela própria CRP. 3.7. O estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória devida pelo incumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, não se inclui no núcleo essencial do direito de propriedade, porquanto não se pode considerar estar em causa matéria relativa à dignidade da pessoa humana. 3.8. O direito de propriedade, na dimensão assumida pelo preceito em causa, contém em si mesmo limites imanentes, que decorrem, para além do mais, do facto deste normativo dar luz ao preceito constitucional relativo aos Tribunais, previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa. 3.9. Assim, o direito de propriedade, na dimensão assumida neste caso concreto, não se constitui como um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias, pelo que não lhe é aplicável o regime dos direitos liberdades e garantias previsto na Constituição da República Portuguesa. 3.10. E, assim sendo, não estamos perante matéria pertencente à reserva relativa da competência da Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. 3.11. Pelo que o n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho, que introduziu alterações nos Códigos Civil e Comercial e legislou em matéria de negócios usurários, taxas de juro, cláusulas penais e sanções pecuniárias compulsórias, tendo sido emitido pelo Governo não padece de inconstitucionalidade orgânica, nos termos da alínea b) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. 3.12. O conceito legal e doutrinário de sanção pecuniária compulsória, designadamente na perspetiva con- sagrada no n.º 4 do artigo 829.º do Código Civil, em nada se pode confundir com o conceito e definição de impostos, taxas e demais contribuições financeiras, enquanto matéria pertencente à reserva relativa da competência da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.
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