TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.5 A aplicação do regime de direitos, liberdades e garantias ao direito de propriedade, decorrente da sua carate- rização como direito análogo aos direitos liberdades e garantias, abrange a ponderação relativa à consideração como matéria pertencente a reserva relativa da competência da Assembleia da República, nos temos da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. Contudo, como defende Ana Luísa Pinto, “a jurisprudência constitucional tem tido o cuidado de salientar que a extensão do regime só se justifica quando estejam em causa “intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atividade legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias” – afirmação constante do acórdão n.º 373/91, repetida em decisões posteriores, como o acórdão n.º 431/94”. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 157/99, ao dizer que “apesar de o direito de propriedade ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar” destes últimos, mas apenas “as normas relativas à dimensão do direito de propriedade que tiver essa natureza análoga.” 2.6. Assume, assim, especial relevância apurar na apreciação concreta de cada caso, se se está face a uma dimen- são do direito de propriedade pertencente ou não ao seu núcleo essencial. No caso ora em apreço, o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória para os casos de incum- primento de uma decisão judicial relativa ao pagamento em conta corrente tem como objetivo assumido pelo legislador “uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”, como melhor se explicitou no ponto 2.1 das presentes alegações. Em certa medida, esta norma consubstancia a promoção e defesa de um princípio constitucionalmente con- sagrado relativo aos Tribunais, previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, o qual ao esta- belecer, no seu n.º 2 que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, dispõe no n.º 3 que “ a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos respetivos respon- sáveis pela sua inexecução”. O estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória devida pelo incumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 829.º A do Código Civil, não se inclui no núcleo essencial do direito de propriedade, porquanto não se pode considerar estar em causa matéria relativa à dignidade da pessoa humana. O direito de propriedade, na dimensão assumida pelo preceito em causa, contém em si mesmo limites ima- nentes, que decorrem, para além do mais, do facto deste normativo dar luz ao preceito constitucional relativo aos Tribunais, previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa. Assim, o direito de propriedade, na dimensão assumida neste caso concreto, não se constitui como um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias, pelo que não lhe é aplicável o regime dos direitos liberda- des e garantias previsto na Constituição da República Portuguesa. E, assim sendo, não estamos perante matéria pertencente à reserva relativa da competência da Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. Pelo que n.º 4 do artigo n.º 4 do artigo 829.º do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho, que introduziu alterações nos Códigos Civil e Comercial e legislou em matéria de negócios usurários, taxas de juro, cláusulas penais e sanções pecuniárias compulsórias, tendo sido emitido pelo Governo não padece de inconstitucionalidade orgânica, nos termos da alínea b) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. 2.7 O conceito legal e doutrinário de sanção pecuniária compulsória, designadamente na perspetiva consagrada no n.º 4 do artigo 829.º do Código Civil, em nada se pode confundir com o conceito e definição de impostos, taxas e demais contribuições financeiras, enquanto matéria pertencente à reserva relativa da competência da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.

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