TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
463 acórdão n.º 218/20 adoção de medidas legislativas restritivas do direito de propriedade e se tais medidas têm que obedecer aos requisitos previstos nos n.º 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição.” Ou seja, como resume a mesma autora “ Tal fenómeno é compreensível atendendo (I) à ambiguidade do próprio texto constitucional, que determina que o direito de propriedade é protegido “nos termos da Consti- tuição”, (II) ao facto de as diferentes facetas do direito de propriedade estarem dispersas num conjunto vasto de normas constitucionais, mormente a propriedade da habitação, a propriedade dos solos urbanos, a propriedade dos meios de produção e a propriedade agrícola, (III) e à circunstância de o direito de propriedade ser um direito económico e não pertencer ao catálogo dos direitos, liberdades e garantias” 2.3 Não pertencendo o direito de propriedade ao catálogo dos direitos liberdades e garantias, mas sendo reco- nhecido como um direito fundamental, pode o mesmo beneficiar do estatuto de direito análogo aos direitos liber- dades e garantias para os efeitos do artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa, como se vem defendendo em diversos Acórdãos deste Tribunal Constitucional (cfr. Ac. 76/85, 109/88 e 236/86). Como se defende, igualmente, no Acórdão deste Tribunal n.º 425/00, “embora seja indiscutível que o direito de propriedade, no seu núcleo essencial, é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, as condições constitucionalmente exigidas para as leis restritivas apenas valem nesse domínio na dimensão em que o direito de propriedade tiver essa natureza análoga.” No entanto, o direito de propriedade – cuja conceptualização constitucional é distinta dos conceito e definição civilistas – só beneficia desse estatuto quando e enquanto se reconduz à ideia de dignidade humana, dado este direito estar constitucionalmente ligado ao estatuto económico e consubstanciar em si mesmo um elemento obje- tivo, de instrumento de prossecução dos fins económicos e sociais visados pela Constituição, o que determina que o seu exercício esteja condicionado por esta função. O âmbito de aplicação do regime dos direitos liberdades e garantias ao direito de propriedade restringe-se apenas a uma parte, ao seu núcleo essencial e não à sua integralidade. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 236/86, de 9 de julho, “Desta maneira, o artigo 62.º, n.º 1, da CRP, ao dispor que «a todos é garantido o direito à propriedade [...] nos termos da Constituição», delineia um direito fundamental não absoluto, mas logo à nascença encurtado na sua textura essencial, (… )ora pelas normas que na própria CRP estabelecem o dever de pagar impostos (v. em especial, o artigo 106.º, n. os 2 e 3), ora pelos pre- ceitos que pressupõem a possibilidade de sancionamento, no campo do direito sancionatório público, de quem quer que se furte ao cumprimento desse dever tributário (cf., em particular, o mesmo artigo 106.º, n. os 1, 2 e 3)”. 2.4 Podemos, pois, considerar que este direito contém em si mesmo limites imanentes “(…) sobretudo quando posto em confronto com outros bens constitucionalmente tutelados, de modo que certas medidas legislativas, ainda que se traduzam num prejuízo para a propriedade, não violam o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição”, sendo admissível defender-se que não se suscita, aqui, , uma questão de restrição de direitos fundamentais. Neste sentido o já referenciado Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 236/86, de 9 de julho diz: “O direito à propriedade privada previsto no artigo 62.º, n.º 1, da CRP – já atrás se disse – é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previstos no título II da parte I da CRP, estando sujeito, como afirma o Provedor de Justiça, ao regime expresso no artigo 18.º, nos 2 e 3, da CRP (assim o entendeu, aliás, a Comissão Constitucional, no parecer n.º 3/78, edição oficial, vol. 4.º, p. 221, e o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 25/85, Diário da República , 2ª série, n.º 98, de 29 de abril de 1985). No entanto, não há que situar de imediato a questão nos quadros do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP para apurar se a redução do direito de propriedade anteriormente assinalada obedece ou não ao regime de restrições ali previsto para os direitos fundamentais. É que estes direitos, declarados pela própria CRP e por ela moldados, não têm neces- sariamente uma dimensão absoluta, mas, à partida, apenas o alcance que a Lei Fundamental, sistematicamente interpretada, lhes tiver dado. Ou, como escreve Vieira de Andrade ( Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , p. 215): «os direitos fundamentais têm os seus limites imanentes, isto é, as fronteiras definidas pela própria Constituição, que os cria ou recebe».”
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