TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - Mesmo a celeridade e eficácia pretendidas pelo legislador na tramitação e solução do incidente de sus- peição não permitem justificar a não audição do recusante; além de não estar em causa uma situação de urgência nem a audição implicar uma dilação desrazoável da decisão final, o sacrifício total do con- traditório, não só pode comprometer a justiça da decisão por défice de informação, como comprime intoleravelmente os direitos de defesa do recusante; a salvaguarda da possibilidade de influenciar o sentido da apreciação e da decisão quanto à má fé do recusante é tanto mais imperativa, quanto a lei não lhe reconhece a possibilidade de impugnar a decisão que sobre a má fé da sua conduta processual venha a ser tomada. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., Lda.ª, recorrente nos presentes autos em que são recorridos B. e C., deduziu, por apenso aos autos de execução de sentença, contra si instaurada pelos segundos, incidente de suspeição da juíza titular do pro- cesso, requerendo que a mesma fosse afastada da sua tramitação. Após resposta da juíza recusada, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foram os autos remetidos ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora. Por decisão de 18 de dezembro de 2018 do Vice-Presidente daquele tribunal, foi indeferido o incidente de suspeição e condenada a recusante, ora recorrente, como litigante de má fé, na multa de 3 unidades de conta, nos termos seguintes: «Des[t]arte, não havendo motivo para declarar a parcialidade da Mm.ª Juíza do processo, importará ainda averiguar se tal pode ser enquadrado na litigância de má fé (como se disse supra e segundo o artigo 123.º, n.º 3, in fine , do Código de Processo Civil, o juiz terá que ter presente que, “quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má fé”). Bem se compreende este regime, na medida em que com o levantamento do incidente da suspeição do juiz, coloca-se praticamente tudo em causa: desde logo a independência e imparcialidade do magistrado judicial (matriz e vocação intrínseca do mesmo), a regra do juiz natural na repartição dos processos, vai-se introduzir turbação no trabalho desenvolvido pelo visado, pondo-se em causa afinal a própria administração da justiça. Daí que haja que ver se foram tomadas as devidas cautelas na invocação de tão gravosa matéria – naturalmente, sempre sem obsta- culizar a que o incidente possa ser suscitado quando a parte se sinta, efetivamente, lesada com a atuação do juiz. No anterior Código de Processo Civil era quase automática a subsunção a uma conduta eivada de má fé quando o incidente fosse julgado improcedente, já que, vindo os casos de suspeição do juiz taxativamente enuncia- dos no seu artigo 127.º, n.º 1, era fácil ao recusante aperceber-se logo da adequação, ou não, dos factos aduzidos ao enquadramento numa das alíneas desse preceito. Com o novo Código de Processo Civil, a coisa complicou-se neste ponto. É que se introduziu uma cláusula de âmbito geral e os casos descritos nas suas alíneas passaram a meros exemplos da sua verificação (nos termos do seu artigo 120.º, n.º 1, “As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”). Esta versão já pressupõe uma análise ou trabalho de enquadramento. Em todo o caso, no presente incidente, não nos surge nenhuma dúvida, salva melhor opinião – e, se as hou- vesse, sempre se teria que decidir a favor da requerente que a respetiva dedução se deva enquadrar na figura da

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