TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

459 acórdão n.º 218/20 3.º É certo que o Estado, ressalvados que sejam certos limites, pode impor sanções e pecuniárias e pode dispor do direito de propriedade das pessoas, mas, porque esta matéria respeita a direitos a de natureza análoga à dos direitos fundamentais, só o pode fazer através de Lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei do Governo sustentado em autorização legislativa da Assembleia da República que delimite o respetivo âmbito e alcance. 4.º O Governo fez o Decreto-Lei 262/83 e aditou o artigo 829.º-A ao Código Civil sem possuir a necessária autorização legislativa. 5.º E assim sendo, parece certo que pelo menos as normas do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, por estabelecerem a obrigação do devedor de pagar uma sanção pecuniária compulsória, consistente no pagamento de juros de 5% sobre o valor duma dívida, são organicamente inconstitucionais, e, por isto mesmo, não podem servir para fundamentar decisões judiciais. Conclusões a) O artigo 829.º-A do Código Civil foi aditado pelo Decreto-Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983. b) Este Decreto-Lei versa sobre direitos de natureza análoga à dos direitos fundamentais e foi feito ao abrigo da competência legislativa do Governo c) A restrição de direitos de natureza análogo à dos direitos fundamentais só o pode ser imposta por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo sustentado em autorização legislativa da Assem- bleia da República. d) Não tendo o artigo 829.º-A do Código Civil sido aditado por Lei da Assembleia da República nem por Decreto-Lei do Governo devidamente autorizado, as suas normas, atento o seu objeto, são organicamente inconstitucionais. Termos em que as normas do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983, devem ser declaradas inconstitucionais, com a consequente devolução do processo ao tribunal a Relação de Guimarães, para obtenção de decisão que não viole a Constituição da República». 4. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, como se transcreve: «1. Objeto do recurso 1.1 O presente recurso vem interposto do acórdão, de 31 de janeiro de 2019, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 963/14.9T8CHV), na parte em que decidiu aplicar o n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, por considerar não padecer esta norma de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Por- tuguesa, não sendo por isso matéria de reserva relativa da Assembleia da República. 1.2 O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional e da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do requerimento que se segue: “A., SA, inconformada com a parte do douto Acórdão de 31 de janeiro de 2019 em que se entende e decide que o “art.º 829-A n.º4 não padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo art.º 165.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa – não sendo, por isso, matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República”, e isto pese embora o facto deste disposi- tivo do Código Civil ter sido aditado e imposto pelo Decreto Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983 e produzido no âmbito da competência legislativa do Governo, vem, nos termos da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e da norma da aliena b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/91, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98,

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