TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
450 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas tal não obsta a que o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-C da LTC, possa confrontar a interpretação normativa efetivamente aplicada pelo tribunal a quo com outras disposições constitucionais com as quais possa contender. Entre estas, sobressai prontamente o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição, com o qual se antecipa não ser coadunável a interpretação normativa que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida. Vejamos porquê. 8. A arguição de nulidade de uma decisão judicial deve visar a apreciação, e eventual suprimento, de deficiências suscetíveis de inquinar a validade das decisões adotadas no âmbito do processo. Os vícios gera- dores da nulidade das decisões judiciais encontram-se, por norma, expressamente previstos na lei processual aplicável a cada tipo de processo (cfr., v. g. , o artigo 615.º do CPC e o artigo 379.º do Código de Processo Penal) e é nesses vícios que deve basear-se o recurso a este meio de impugnação das decisões. Não se trata, pois, de atacar a justeza da decisão, a consistência dos seus fundamentos de facto ou de direito ou a correção do juízo que a suporta – o que se visa alcançar é somente o resultado do suprimento das nulidades que lhe são assacadas, devendo essas constituir o único objeto da respetiva arguição. No direito processual civil, aplicável no caso dos autos, a possibilidade de suprir as nulidades da decisão judicial subsiste, como é sabido, depois de esgotado o poder jurisdicional, tal como subsiste a possibilidade de proceder à reforma ou à retificação dos erros materiais da sentença (cfr. o artigo 613.º do Código). O Código não contém uma definição de nulidade da decisão judicial, mas as causas de nulidade das sentenças e acórdãos encontram-se taxativamente elencadas nos artigos 615.º, n.º 1, e 666.º, n.º 1, do CPC e distinguem-se das nulidades processuais (cfr. os artigos 186.º e seguintes do Código), que podem ser objeto de arguição ou reclamação dos interessados (cfr., v. g. , a parte final do artigo 196.º e o n.º 3 do artigo 200.º). Uma vez que as nulidades processuais podem resultar de qualquer desvio às exigências legais que «possa influir no exame ou na decisão da causa» (artigo 195.º, n.º 1, do CPC), podem ser imputáveis e arguidas apenas pelos interessados que não lhe hajam dado causa (artigo 197.º do CPC). Já as nulidades da decisão resultam da violação de exigências legais que respeitam apenas à prolação das decisões judiciais e que, pela sua gravidade, o legislador elegeu como causas de esse tipo de invalidade, podendo em regra ser objeto de arguição pelas partes (ou de suscitação da questão de nulidade, na terminologia do Código). Estas nulidades devem, no entanto, ser arguidas mediante recurso, sempre que a decisão o admita, ou «perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário» (cfr. o n.º 4 do artigo 615.º do CPC). Assim, no caso de as decisões serem recorríveis, o tribunal que admite o recurso deve pronunciar-se sobre as nulidades arguidas (cfr. o n.º 1 do artigo 617.º do CPC), mas a arguição deve ser feita com o reque- rimento de interposição de recurso. Este passou a ser o regime-regra com a aprovação do Código de Processo Civil de 1961 de modo a, como esclarecem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «eliminar o abuso que se generalizou de arguir as pretensas nulidades da sentença ou do acórdão, no mero intuito de atrasar o andamento do processo ou protelar o trânsito da decisão.» (vide Manual de Processo Civil , 2.ª edi- ção (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 692). O Código de 2013 manteve esta opção, bem como os meios de defesa contra as demoras abusivas (cfr. os artigos 618.º e 670.º do CPC), a acionar sempre que as decisões judiciais cuja nulidade é arguida não admitem recurso. Do que resulta que a hipótese de as decisões judiciais não admitirem recurso (para os tribunais da mesma jurisdição) foi contemplada na modelação do regime de arguição de nulidades, daí resultando apenas duas particularidades: a arguição terá que ser objeto de um requerimento próprio, a apresentar pela parte interessada ante o tribunal que proferiu a sentença ou acórdão alegadamente inválidos; e poderá viabilizar a adoção de medidas específicas (vide o artigo 670.º do CPC), se se revelar manifestamente infundada a suscitação de tal incidente. Ora, as decisões judiciais proferidas sobre a admissibilidade de recurso de revista excecional, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, são indubitavelmente decisões que não admitem reclamação
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