TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

442 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – de o declarar a partir das pertinentes fontes jurídico-formais – compete constitucionalmente aos tribunais» (Acórdão n.º 267/17), a subordinação destes à lei – rectius , exclusivamente à lei – constitui o pressuposto e a garantia de que tal função será exercida pelo poder jurisdicional, designadamente no âmbito da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e da dirimição de conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º, n.º 2), com independência relativamente aos demais poderes do Estado. Ora, competindo exclusivamente aos tribunais o exercício da função jurisdicional – a iurisdictio – e nesta obviamente se incluindo a tarefa de interpretar a lei aplicável, segundo os cânones hermenêuticos em cada momento tidos por mais adequados, bem se vê que não ocorre qualquer violação do princípio da sepa- ração de poderes – antes a sua reafirmação ou reforço – sempre que é aquele o poder do Estado a eleger, de entre todos os sentidos possíveis que o texto, ainda que defeituosamente, comporta, aquele que em definitivo deverá fornecer a solução normativa do caso sub judice . A tentativa de radicalização do problema de constitucionalidade através da aproximação do tema da interpretação corretiva da lei à questão suscitada pelas normas legais interpretativas, para que apontam certas das conclusões apresentadas pela recorrente, não só se revela, por isso, destituída de fundamento, como, se em alguma direção aponta, é justamente na inversa. Não estando em causa a atribuição ao preceito interpretando de um sentido que se afirme substancialmente praeter ou contra legem , pode mesmo dizer-se que a norma sindicada, quando confrontada com as normas legais interpretativas objeto de apreciação nos Acórdãos n. os  267/17 e 395/17, mais não representa do que a outra face da mesma moeda: enquanto naqueles arestos se tratou de censurar o legislador fiscal pelo facto de, através da edição de uma norma interpretativa, ter limitado, mediante a escolha de uma delas, as múltiplas declarações do direito de que determinada lei anterior era passível (Acórdão n.º 267/17), ou por tê-lo feito fora do âmbito de uma controvérsia jurisprudencial acerca do sentido da norma interpretada (Acórdão n.º 395/17), no presente caso trata-se de reafirmar que essa tarefa cabe, por definição, aos tribunais, aos quais a Constituição atribui a autoridade para, «através de decisões juridicamente fundamentadas e no termo de um processo de partes com igualdade de armas» (Acórdão n.º 395/17), corrigir, sendo caso disso, a letra da lei, sempre que tal correção não signifique mais do que uma obediência pensante ou inteligente à norma. Para além de não se mostrar incompatível com o princípio da legalidade fiscal, a norma sindicada não é censurável, em suma, à luz de qualquer outro dos demais parâmetros invocados pela recorrente, tanto mais quanto certo é que tudo quanto se afirmou nos pontos precedentes serve para afastar, por identidade de razão, a existência da alegada violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República, cons- tante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, e o n.º 5 do seu artigo 112.º, na medida em que dispõe sobre os limites materiais do poder legislativo e não do poder jurisdicional, não é sequer convocável para a apreciação da questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso, o qual deverá, por tudo o exposto, ser julgado improcedente.  III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional o artigo 9.º, n. os 1 e 2, do Código Civil, na interpretação segundo a qual a norma fiscal que se contém no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, na versão da Lei n.º 3-B/2010, relativa a deduções à coleta do IRC, pode ser objeto de uma interpretação corretiva para efeitos de apuramento do quantum do imposto devido, na parte que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do mesmo Código; e, consequentemente, b) Negar provimento ao recurso.

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