TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
440 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL possibilidade foi admitida por Cardoso da Costa, com apelo à ideia de obediência inteligente à lei, quando afirmou «que a interpretação extensiva não leva ainda a aplicar as normas, que dela são objeto, fora daquele quadro de situações que o legislador teve em vista ao editá-las: trata-se apenas de extrair do pensamento legislativo – do espírito da lei – todas as consequências que este comporta e foram por ele desejadas, inclu- sive aquelas que porventura não encontrem expressão no sentido literal da norma.» Apesar de não deixar de reconhecer os riscos apresentados por uma tal proposta – desde logo por não ser fácil a distinção entre interpretação extensiva e aplicação analógica –, o mesmo autor considera, todavia, isenta de qualquer dúvida a possibilidade de proceder a uma interpretação da lei fiscal «que se contenha dentro dos limites da teoria da alusão» (vide Cardoso da Costa, José Manuel, Curso de Direito Fiscal, cit., pp. 206-209; e em termos próxi- mos, Menezes Leitão, Luís M., Estudos de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 42-43). O problema – tal como enunciado por Castanheira Neves a respeito do princípio da legalidade criminal – está precisamente no pressuposto de que é possível autonomizar um limite gramatical, amplo que seja, da interpretação jurídica: «o teor verbal das leis, considerado na perspetiva da problemática da interpretação jurídica, não tem significação diferente da que lhe determina essa interpretação. E sendo essa significação, ou a sua determinação, um resultado da interpretação (…) não pode obter-se antes ou fora do próprio processo concreto da interpretação.» (vide Digesta…, vol. 1.º, cit ., pp. 447-448 e passim ). A regra interpretanda no caso dos autos – em especial se nos ativermos ao teor verbal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC – é, deste problema, bem ilustrativa. De que modo logrará o intérprete traçar a partir do texto «ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções (...)» um limite que não seja também já o resultado da interpretação desse texto e dos diversos preceitos para os quais este remete? 18. Seja como for, defluem do princípio da legalidade fiscal, conforme referido supra , exigências de determinabilidade e previsibilidade, que se traduzem, para o Estado, num dever de densificação normativa progressiva da lei fiscal. Tal dever – é certo também – não recai apenas sobre o legislador, antes se devendo reconhecer o relevante papel desempenhado pelos tribunais na apreciação dos casos concretos em face dos quais se desenvolve e recorta o preciso sentido das normas fiscais, em benefício da previsibilidade e estabi- lidade que através do princípio da legalidade se pretende proteger. A relevância dos cânones e dos limites que ao intérprete – seja este o juiz, a administração tributária ou, até, o próprio legislador – cabe observar não está, por isso, em causa. Todavia, é igualmente certo que esses cânones tanto mais concorrerão para a previsibilidade, segurança e igualdade na aplicação do direito quanto mais lograrem ser claros e prestáveis na prática. Na verdade, e uma vez satisfeitas as exigências mínimas de determinabilidade que cingem a liberdade de conformação do legislador, não há como não admitir que as leis que versam sobre a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes carecem irremediavelmente, como todas as leis, de interpre- tação e que esta nunca pode gerar uma confiança absoluta na previsibilidade dos seus resultados. Tal como nota Oliveira Ascensão, «esta insegurança relativa é fatal» ( O Direito , cit., p. 391) – e é também, por contra- ditório que possa parecer, a mais sólida garantia de segurança a que se pode aspirar. Com efeito, do mesmo modo que se revelou votada ao insucesso a aspiração a criar uma lei unívoca, assim também rapidamente se concluiu que a imposição de cânones interpretativos excessivamente estritos não reforça, antes debilita, as garantias de previsibilidade e certeza associadas ao princípio da legalidade. Isso mesmo é elucidativamente sintetizado por Arthur Kaufmann nos termos seguintes: «Forma, abstração, generalização, conceptualização são absolutamente indispensáveis para a constituição do direito, pois de outro modo não poderia haver igualdade de tratamento e não haveria, portanto, justiça. Mas se no processo de criação do direito não fossem ponderadas também as particularidades e especificidades das relações da vida em constante mudança, então a justiça obtida de forma puramente dedutiva a partir da norma legal seria um mecanismo rígido de “eterno retorno do mesmo”, uma “justiça” de autómatos ou computadores, uma justiça inumana. (…)» ( Filosofia do Direito, 4.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, pp. 181 e seguintes).
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