TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
439 acórdão n.º 182/20 Assim, o legislador rejeitou, desde logo, as teses segundo as quais a autonomia e a pretensa especiali- dade do ordenamento jurídico-fiscal demandariam uma metodologia própria – pressuposto de que partiram as doutrinas da interpretação funcional e da interpretação económica (sobre estas, vide Vasques, Sérgio, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 361-362). Foram igualmente rejeitadas todas as propostas no sentido de a interpretação jurídica das normas de direito fiscal ser posta ao serviço da prossecução de finalidades específicas – tais como a máxima proteção do direito de propriedade e do con- tribuinte contra o Estado (que justificariam, v. g. , a adoção de critérios do tipo odiosa restrigenda e in dubio contra fiscum ); ou, inversamente, a máxima salvaguarda do interesse público na arrecadação de receitas ou na prevenção e repressão da elisão fiscal (que fundamentariam a adoção de critérios do tipo in dubio pro fisco ou a absolutização da substância económica dos factos tributários). Do mesmo modo, foi deliberada a opção de afastar o princípio da interpretação literal da lei fiscal. Na base da defesa deste princípio, como nota Soares Martínez, encontra-se a ideia de «que tais normas [as normas ficais] só admitem uma interpretação literal, não devendo aceitar-se quanto a elas a interpretação extensiva, por motivos de segurança jurídica, e pela dificuldade de fixar onde termina a interpretação extensiva, e onde começa a aplicação analógica, que o princípio da legalidade veda quanto a estas matérias pelo mesmo princí- pio abrangidas.» (Soares Martínez, op. cit. , p. 130; no mesmo sentido, vide Pessoa Jorge, Fernando, Curso de Direito Fiscal , Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1964, pp. 117-121). Esta posição, pode dizer-se, foi deste sempre minoritária na doutrina, que rapidamente admitiu não «brigar contra os princípios da legalidade e da segurança jurídica a tarefa hermenêutica tendente a ajustar a letra da lei ao seu espírito» (Xavier, Alberto, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1974, p. 173). É, pois, largamente dominante a orientação segundo a qual – mesmo em matéria de incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (cfr. o artigo 103.º, n.º 2, da Constitui- ção) – a interpretação do direito fiscal obedece, e deve obedecer, aos cânones gerais da interpretação (vide Pamplona Côrte-Real, Carlos, “A interpretação extensiva como processo de reprimir a fraude à lei no direito fiscal português”, in Ciência e Técnica Fiscal , n.º 152, agosto - setembro de 1971, pp. 71-72; Cardoso da Costa, José Manuel, Curso de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1972, p. 199; Leite Campos, Diogo/Rodrigues, Benjamim/Lopes de Sousa, Jorge, Lei Geral Tributária – Anotada e comentada , 4.ª edição, Encontro da Escrita , Lisboa, 2012, p. 120; Casalta Nabais, José, Direito Fiscal, 8.ª edição, Almedina, Coim- bra, 2015, p. 205; Ana Paula Dourado, Direito Fiscal – Lições, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 247; Vasques, Sérgio, op. cit. , pp. 363 e seguintes). Rejeitar a cogência da interpretação literal da lei fiscal, não significa, contudo, prescindir da reafirmação da função negativa da letra da lei, como limite da interpretação. Significa apenas que, também neste domí- nio, o limite pode traçar-se sobre o sentido literal possível, a que se aludiu supra (n.º 12), ou sobre o mínimo de correspondência verbal, exigido pelo n.º 2 do artigo 9.° do Código Civil. Para alguns autores, a circunstância de estarem em causa matérias sob reserva de lei justifica que as possibilidades de interpretação não excedam o mais estrito confim traçado pelo texto legal. Parece ser essa, por exemplo, a posição perfilhada por Ana Paula Dourado, quando afirma: «Do princípio da legalidade fis- cal na vertente da reserva de lei competencial e do princípio da tipicidade ou da determinação legal resulta uma proibição tendencial da analogia – ou “interpretação proibida”, a qual ocorre quando o “fundamento e critério jurídico da decisão ultrapassam o sentido possível do texto”. (…) A interpretação da lei fiscal tem como limite o sentido possível das palavras no contexto em que são utilizadas (tendo em conta os elementos sintático e semântico).» ( op. cit. , p. 249 – no mesmo sentido, vide Leite Campos, Diogo/Rodrigues, Benja- mim/Lopes de Sousa, Jorge, op. cit. , p. 120). Já outros autores (assim, por exemplo, Vasques, Sérgio, op. cit, p. 364) têm por admissíveis, no âmbito da aplicação da lei fiscal, todos os resultados interpretativos que se situem nos confins do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil. Menos comum é a aceitação da possibilidade de, por via da interpretação, vir a considerar abrangido pela norma fiscal um caso que no seu texto não encontra expressão, ainda que imperfeita. Na doutrina, tal
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