TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, tem este Tribunal constantemente entendido, como se reafirmou no Acórdão n.º 127/04, que: «Por natureza, atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário goza, em princípio, de discricionariedade normativo-constitutiva quanto à eleição dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem ser elevados à categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para se definir a matéria coletável. Mas, como não poderá deixar de ser, com obediência aos parâmetros constitucionais, já acima apontados. Um destes parâmetros, que é postulado pelos princípios do Estado de direito e da segurança jurídica que lhe é inerente, é o princípio da determinabilidade. Ao hipotisar os pressupostos de facto/jurídicos da tributação –ao desenhar o tipo ou o Tatbestand tributário – depara-se, na verdade, o legislador com o problema da previsibilidade dos efeitos jurídicos amputadores da riqueza ou do rendimento dos contribuintes. É neste terreno que se põe, então, a questão da amplitude constitucionalmente admissível dos conceitos usados na definição dos elementos essenciais dos impostos, confrontando-se aqui duas pretensões de sentido oposto. De um lado, a exigência de que a previsão dos factos tributários seja feita de forma «suficientemente por- menorizada», de modo que os contribuintes possam ter algumas certezas quanto à extensão da sua riqueza ou rendimento que sairá afetada pela tributação (cfr. J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, 1972, pp. 309 e seguintes) ou que a lei «leve a disciplina dos referidos elementos essenciais, ou seja, a disciplina essencial de cada imposto, tão longe quanto lhe seja possível» (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, 2003, p. 138), de modo que a obrigação de imposto seja o mais certa possível por parte dos contribuintes. É a solução que é reclamada pelo princípio da segurança jurídica dos contribuintes. Segundo esta perspetiva, a incidência (como os demais elementos essenciais) deve ser definida por conceitos cujo sentido seja o mais unívoco possível. Mas, do outro lado, o princípio da igualdade tributária reclama que os conceitos tenham a abertura ou plas- ticidade semântica suficiente para poder abarcar as realidades que expressam a capacidade tributária elegida, os níveis de riqueza ou de rendimento tributando, e que esse objetivo possa ser realizado não só no plano abstrato da previsão dos tipos tributários, mas também no plano da sua aplicação concreta, em que se situam o combate à evasão fiscal e a praticabilidade do sistema. (…) Se não será sempre indispensável que a norma legal fiscal forneça ao contribuinte a possibilidade de cál- culo exato, sem margem para quaisquer dúvidas ou flutuações, do seu encargo fiscal, é, porém, de exigir que “a norma que constitui a base do dever de imposto seja suficientemente determinada no seu conteúdo, objeto, sentido e extensão de modo que o encargo fiscal seja medível e, em certa medida, previsível e calculável para o cidadão” (cfr. J. Casalta Nabais, O dever fundamental …, cit., p. 356, citando esta fórmula do Tribunal Constitucional Federal alemão, embora criticando ainda a sua insuficiência, e salientando que o princípio da determinabilidade deve “ser entendido com alguma moderação e realismo de modo a compatibilizá-lo com o princípio da praticabilidade”).» Para além do grau de vinculação a que sujeita o legislador fiscal, não pode deixar de reconhecer-se, como supra se referiu já, que o princípio condiciona igualmente a Administração e os Tribunais enquanto agentes da necessária densificação normativa, sem a qual se verá debilitada a função garantística do princípio da tipi- cidade fiscal. Assim, como afirma Pedro Soares Martínez, pode entender-se que «(…) a Constituição rodeou de particulares cautelas todas estas matérias – incidência, garantias dos contribuintes, liquidação e cobrança. Ora essas cautelas têm de refletir-se no plano da interpretação das normas respetivas. Até por paralelismo com o entendimento comum quanto aos efeitos da legalidade penal no plano da interpretação das normas. (…)» (in Direito Fiscal , 9.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, p. 244). 17. O legislador português optou por tomar posição quanto a esta questão, estabelecendo, no artigo 11.º da Lei Geral Tributária, que a determinação do sentido das normas fiscais e a qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam devem obedecer às regras gerais da interpretação jurídica.
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