TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

437 acórdão n.º 182/20 Ora, analisada a decisão recorrida, sem dificuldade se verifica que o conceito de interpretação corretiva mobilizado pelo tribunal a quo corresponde à primeira – e menos problemática – das aceções identificadas supra (ponto 14). É o que decorre, desde logo, do facto de o tribunal recorrido ter considerado ser admissível, ao abrigo dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, atribuir à norma interpretanda um resultado interpretativo com essa designação. De resto, segmento algum da decisão recorrida indicia a intenção de o tribunal atribuir ao n.° 2 do artigo 90.° do CIRC um sentido que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Pelo contrário: conforme resulta daquela decisão, o tribunal começou por afirmar, inequivocamente, que o «desiderato» da mesma seria, «não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tribu- tário em questão nos autos, no sentido de ser possível utilizar a dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis». Findo o processo interpretativo seguido, concluiu o mesmo Tribunal que, «tendo em conta a com- preensão racional, histórica e sistemática da norma em questão, torna-se forçoso interpretar corretivamente a norma do artigo 90.º, n.º 2, do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 da mesma norma, na referência que faz “Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da coleta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não aos montantes apurados a título de tributações autónomas, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redação textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.» Deste trecho da decisão recorrida é possível inferir, com segurança, que, da perspetiva do tribunal a quo, o resultado alcançado não só constitui inequivocamente uma interpretação secundum legem , plenamente obe- diente à sua ratio , como é até o sentido que mais naturalmente decorreria do respetivo teor verbal não fora a circunstância de o regime de tributações autónomas ter sido introduzido no CIRC. Trata-se, pois, ainda da perspetiva do tribunal, de um sentido compaginável com a letra da lei, ainda que merecendo esta correção em virtude da modificação de contexto que resultou daquela alteração do CIRC. Sendo esta a perspetiva em que o tribunal arbitral expressou ter encarado a interpretação corretiva a que submeteu o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, inexistem fundadas razões para pensar que outra aceção, diferente daquela, possa ter sido, na realidade, implicitamente adotada na decisão recorrida. A solução adotada pelo tribunal recorrido não contrasta, aliás, com os resultados interpretativos alcançados por uma parte significa- tiva da jurisprudência. Não havendo qualquer evidência que leve a infirmar que a interpretação que o tribunal arbitral designa como corretiva encontra na lei um mínimo de correspondência verbal e obedece às regras gerais de inter- pretação jurídica, resta verificar se, por força do princípio da legalidade fiscal, se impunha ao tribunal a quo a observância de especiais regras interpretativas, designadamente que afastassem a possibilidade de atribuir à norma interpretanda um sentido de que resulte o aumento do quantum de imposto a pagar. É o que se discutirá nos pontos seguintes. 16. Do princípio da legalidade fiscal, consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, decorre, desde logo para o legislador, um importante limite à liberdade de conformação da lei fiscal, sobretudo quando – como sucede no caso dos autos – está em causa a regulação dos pressupostos determinantes do quantum do imposto a suportar. É desses pressupostos que depende, na prática, a maior ou menor previsi- bilidade da carga fiscal a suportar por cada cidadão ou pessoa coletiva em cada ano ou exercício (vide, a este respeito, entre outros, os Acórdãos n. os  756/95, 252/05, 695/14 e 211/17).

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