TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
436 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, 11.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 252-256 e Engisch, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico , 5.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979, p.120). Assim, por exemplo, reconhecia Karl Larenz que, «[à] luz da atual conceção sobre a competência dos tribunais para o desenvolvimento do Direito, não pode haver dúvidas sobre a sua legitimidade, em princípio, para fazerem uma correção, teleologicamente fundamentada, da lei. Não obstante, para isso pressupõe-se que o fim da lei está claramente averiguado e que, sem a correção, esse fim não seria atingido numa parte dos casos e não seria possível evitar uma grave contradição de valoração ou uma clara injustiça.» ( op. cit. , p. 569). Entre nós, João Baptista Machado – cuja definição de interpretação corretiva é citada na decisão recor- rida – defende que este resultado é admitido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, desde que «do texto “falhado” se colha pelo menos indiretamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação» ( Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19.º reimpressão, Alme- dina, Coimbra, 2011, p. 189), sendo certo que «[o] intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar o fim visado pelo legislador.» ( ibidem , p.186). Nesta aceção, a interpretação corretiva visa realizar a intenção normativa e prática da lei, mas não pressupõe, neces- sariamente, a transposição do limite literal (mais amplo) da interpretação, pelo que poderá haver correção sempre que o resultado interpretativo corresponda a um sentido que ainda acha no texto legal algum reflexo. A esta perspetiva opõe-se, claramente, a conceção segundo a qual é corretiva a interpretação que deso- bedece, não apenas à letra, como também ao espírito da lei. Assim, por exemplo, segundo Miguel Teixeira de Sousa, «(…) na interpretação corretiva (…) a letra e o espírito da lei são ambos desconsiderados, dado que essa interpretação implica que a lei deixa de ser aplicada a um caso que ela abrange (quer na letra e no espírito, quer, pelo menos, no espírito).» (Teixeira de Sousa, Miguel, Introdução ao Direito , 5.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2018, p. 382; no mesmo sentido, vide Oliveira Ascensão, José, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição refundida, Almedina, Coimbra, 2005, p. 425). Nesta aceção, não é possível adotar uma interpretação corretiva sem desobedecer à lei, o que, equivalendo ao desenvolvimento judicial do direito contra legem , se defronta, desde logo, com a proibição constante do n.º 2 do artigo 8.º do Código Civil – segundo o qual «[o] dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.» (assim, Oliveira Ascensão, José, op. cit. , p. 426) – e, mais relevantemente ainda, com a que resulta da própria ordem político-constitucional, fundada no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) e, enquanto refrações deste, nos princípios da legitimação democrática do poder legislativo (artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, e 10.º), da separação dos poderes do Estado (artigo 111.º) e, em última instância, da vinculação à lei da função jurisdicional (artigo 203.º). Estando em causa uma interpretação contra legem, a admissibilidade de um tal resultado é, por isso, em regra excluída, ainda que se trate da interpretação do direito infraconstitucional em conformidade com a Constituição (vide Gomes Canotilho, J. J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 1226-1227) ou da interpretação do direito interno em conformidade com o Direito da União Europeia (vide, v. g. o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 7 de agosto de 2018, David Smith , Proc. C-122/17, §40). 15. Expostas as duas conceções mais divergentes de interpretação corretiva, uma primeira conclusão resulta desde já evidente: não é pelo mero facto de assim se designar (ou vir designada) que a interpretação corretiva da lei se converterá direta, necessária e automaticamente num procedimento ou resultado herme- nêutico proscrito pela Constituição – desde logo pelo princípio do Estado de direito democrático, nas suas já referidas dimensões, e, no caso de se tratar da interpretação da lei fiscal, ainda (ou especialmente) pelo princípio da legalidade fiscal, consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da Lei Fundamental. Por razões neste momento já facilmente intuíveis, a compatibilidade da interpretação corretiva da lei fiscal com a Constituição será tanto mais equacionável, quanto mais sintonizada se relevar com a primeira das con- ceções a que se aludiu supra ; inversamente, será tanto mais contestável quanto mais se aproxime da segunda.
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