TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

433 acórdão n.º 182/20 Na medida em que a norma interpretada no caso dos autos era tida como relevante para a determina- ção do quantum do imposto a pagar, em resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, não se vê como deixar de reconhecer que possa ser qualificada como uma norma de incidência (em sentido amplo), abrangida pelo n.º 2 do artigo 103.º da Constituição. Quanto à segunda premissa, não podemos deixar de ter presente que «a função garantística da reserva de lei postula uma densificação normativa progressiva para a qual contribuem Parlamento, Governo, Admi- nistração e Tribunais», o que é tanto mais relevante quanto certo é que, conforme vem este Tribunal, de resto, afirmando, «[a] previsibilidade e calculabilidade do imposto, tendo em conta a complexidade dos ordenamentos tributários atuais e a coexistência da legalidade com princípios materiais, não deve ser enten- dida necessariamente como um cálculo antecipado do imposto pelo contribuinte leigo a partir da lei do Parlamento (…)» (Ana Paula Dourado e Paulo Marques, in Miranda, J./Medeiros R., Constituição Portuguesa Anotada , cit., p. 203). Para dar resposta adequada à questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos importa, pois, perceber se e em que medida o juiz se encontra vinculado, por força do princípio da legalidade fiscal, a observar especiais regras interpretativas – que excluam, designadamente, a possibilidade de corrigir interpretativamente uma norma determinante do quantum do imposto a pagar. 12. De modo a compreender o sentido e alcance da norma sobre interpretação aplicada no acórdão recorrido, importa começar por atentar nas disposições do Código Civil invocadas pelo tribunal a quo e, em especial, esclarecer o conceito de interpretação corretiva que o mesmo mobilizou para caraterizar o resultado da interpretação do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC em concreto alcançado. O artigo 9.º do Código Civil – inserido no Título I da sua Parte Geral, dedicado às leis, sua interpreta- ção e aplicação – prescreve o seguinte: Artigo 9.º (Interpretação da lei) 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.  2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.  3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Através deste conjunto de disposições, foram incorporados no nosso Código Civil os principais postu- lados da chamada teoria tradicional da interpretação jurídica. Sabendo-se que a interpretação consiste na determinação do sentido jurídico-normativo de uma certa proposição ou enunciado, em ordem a obter deste um critério para a resolução do caso concreto, do artigo 9.º do Código Civil extrai-se, em primeira linha, que tal atividade deverá orientar-se pela tentativa de com- preensão global do texto legal, a reconstituir através da convocação, tanto do elemento literal ou gramatical, como dos elementos histórico, lógico-sistemático e racional ou teleológico. Na génese das normas sobre interpretação da lei constantes do artigo 9.º do Código Civil encontra-se, pois, a ideia de que o texto legal se não se cinge à letra, mas antes dá corpo a um pensamento legislativo – expressão que acolhe tanto a mens legislatoris , como a mens legis . Isto é, o reconhecimento de que as “frases jurídicas” não podem ser encaradas pelo intérprete como simples locuções, em condições de poderem bastar- -se com a mera compreensão gramatical do seu enunciado, mas são antes verdadeiras elocuções, dotadas de um conteúdo proposicional ou prescritivo próprio, que, ao mesmo tempo que confere à interpretação

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