TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
431 acórdão n.º 182/20 interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão», «ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição» (Acórdão n.º 173/16), inexistiria, de facto, qualquer fundamento para considerar a recorrente dispensada de suscitar previamente nos autos essa questão de constitucionalidade. Sucede que, conforme sublinhado já, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso não só é outra, como se reveste de uma natureza substancialmente diversa. Dizendo respeito às regras apresentadas pelo tribunal recorrido para suportar o resultado da interpretação da lei com que solucionou o litígio sub judice , a questão de constitucionalidade colocada pela recorrente incide, não sobre o regime de direito material diretamente aplicável ao caso, mas antes sobre a diretiva hermenêutica que o tribunal afirmou ter seguido para alcançar a referida solução. Isto é, sobre o comando prescritivo ou conformador do procedimento de determinação do conteúdo significativo das leis, que o tribunal a quo extraiu dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil. Poderá, é certo, dizer-se que não é surpreendente ou inesperado que estas disposições do Código Civil possam ser interpretadas no sentido de induzir a alcançar um resultado interpretativo qualificável como uma interpretação corretiva. O que não pode considerar-se abrangido pelo dever de prognose que recaía sobre a recorrente é a mobilização expressa desses preceitos do Código Civil, como ratio decidendi da decisão recor- rida e respaldo da adoção de uma interpretação designada como corretiva, da qual resulta um agravamento do quantum de imposto considerado devido. Reconhecer-se-á, com efeito, que não é comum que os juízos decisórios explicitem as diretrizes hermenêuticas seguidas e mais raro ainda que dessas diretrizes seja extraída habilitação para alcançar determinados resultados – tais como a interpretação corretiva, ou a extensão e redução teleológicas – em matérias sob reserva de lei, sobretudo atentas as dificuldades sensíveis, na teoria e na prática, de distinguir esse tipo de resultados, por exemplo, da analogia expressamente proibida (cf. o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária). Assim, se a recorrente não poderia deixar de contar com a possibilidade de o preceito constante do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, designadamente da sua alínea b) , vir a ser interpretado no sentido em que o foi, já não lhe era exigível antecipar que a prevalência desse resultado interpretativo viesse a encontrar o seu único e exclusivo ponto de apoio ou referência nos critérios de interpretação da lei fiscal extraídos dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, que permitiram ao tribunal recorrido adotar uma interpretação designada como corretiva do enunciado aplicável. Deste ponto de vista, deve concluir-se que a aplicação pelo tribunal arbitral da norma sindicada dispõe, segundo critérios de razoabilidade e adequação, de um carácter suficientemente imprevisível ou surpreen- dente para justificar a dispensa do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade em momento ante- rior à prolação do acórdão recorrido. Improcedem, enfim, todos argumentos invocados pela recorrida contra a admissibilidade do presente recurso. 10. Para além da violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, invocados no requerimento de interposição do recurso, a recorrente considera, nas alegações que apresentou, que a inconstitucionalidade da norma sindicada radica ainda na sua incompatibilidade, por um lado, com a «proi- bição constitucional de impostos retroativos prevista no artigo 103.º, n.º 3, segunda parte, da Constituição», o «princípio da separação de poderes – in casu separação dos poderes legislativo e judicial –, previsto nos [respetivos] artigos 2.º e 111.º», e o princípio da tipicidade dos atos legislativos, constante do artigo 112.º, n.º 5; e, por outro, com o «princípio da igualdade horizontal na contribuição para os encargos públicos via impostos», acolhido nos «artigos 2.º – Estado de direito – e 13.º», também da Constituição. Ora, se a convocação daquele primeiro conjunto de parâmetros não implica – pode admitir-se – a reconfiguração ou transmudação da questão de constitucionalidade construída a partir da confrontação da norma sindicada com o princípio da legalidade tributária e a reserva relativa de competência da Assembleia da República em matéria de criação de impostos [consagrados, respetivamente, nos artigos 103.º, n.º 2, e
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