TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
430 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta orientação foi, contudo, revista no Acórdão n.º 183/08, igualmente tirado em Plenário, a partir do qual passou a admitir-se a possibilidade de, em matéria sujeita ao princípio da legalidade criminal, o Tribunal conhecer do objeto do recurso, quando – embora apenas quando –, na síntese da Conselheira Maria Lúcia Amaral, «os tribunais comuns criassem normas aí onde só o legislador pudesse atuar (por lei escrita, estrita e certa) (…).» (vide o voto de vencido aposto ao Acórdão n.º 852/14). Tal posição foi subsequentemente estendida, com as devidas adaptações, ao domínio abrangido pelo princípio da legalidade fiscal, tendo o Tri- bunal passado a admitir que «[o] facto de a questão surgir no decurso do processo interpretativo do direito comum que o tribunal a quo adotou não transforma o Tribunal Constitucional em instância revisora das decisões dos tribunais comuns: do que aqui ainda se trata é de sindicar a constitucionalidade de uma norma, ou de um critério geral da decisão judicial do caso concreto, que terá sido obtida através de um procedimento que a Constituição, por imposição das garantias de legalidade e tipicidade, penal e tributária, expressamente exclui.» (vide o Acórdão n.º 441/12). Perfeitamente em linha com esta última orientação, o objeto do presente recurso, quando confrontado com o caso decidido no Acórdão n.º 441/12, tende a suscitar (ainda) menores reservas do ponto de vista do âmbito dos poderes de cognição atribuídos a este Tribunal. É que, enquanto naquele primeiro foi pedido ao Tribunal Constitucional que confrontasse uma deter- minada interpretação normativa com o direito positivo, de modo a averiguar se tinha ou não ocorrido uma violação do princípio da legalidade fiscal, no âmbito do presente recurso tal não chega sequer a suceder. Isto é, o que é pedido a este Tribunal não é que confronte a interpretação normativa do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC com as prescrições deste Código, de modo a apurar se foram criadas novas normas em domínio reservado ao legislador, mas apenas que verifique se, nas palavras do Acórdão n.º 695/15, foi adotado pelo tribunal recorrido «um instrumento hermenêutico vedado pela Constituição». De âmbito necessariamente mais amplo, a questão que se coloca no presente recurso incide diretamente sobre a conformidade dos critérios normativos extraídos dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, expressamente adotados pelo tribunal recorrido para suportar o sentido interpretativo imputado ao n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, com o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição. Ou seja – repete-se –, em causa está, não a interpretação normativa alcançada em resultado do processo hermenêutico seguido, mas sim a potencial «inconstitucionalidade das normas sobre interpretação, quando interpretadas no sentido de permitir uma interpretação violadora do princípio da legalidade» (vide Serrasqueiro, Mafalda, “Legalidade e interpretação: a sindicabilidade pelo Tri- bunal Constitucional das normas enunciadas pelo juiz em matérias sujeitas aos princípios da legalidade e da tipicidade”, in e-Pública , Vol. 2, n.º 2, julho de 2015, p. 248). Ora, não competindo a este Tribunal criticar a interpretação adotada pelo tribunal recorrido dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, como critérios determinantes do processo que conduziu à solução conferida ao caso concreto, nem rever a qualificação que foi feita pelo próprio tribunal do resultado interpretativo alcançado, o que importa aqui reter é que dessas disposições do Código Civil o tribunal a quo extraiu um pressuposto hermenêutico, vinculativo e necessário, da solução normativa alcançada a final, que qualificou como uma interpretação corretiva. É a compatibilidade desse critério normativo – extraído dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil e não do 90.º, n.º 2, do CIRC – com o princípio da legalidade fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, que constitui a questão central a decidir no presente recurso. 9. A mesma ordem de considerações serve para afastar a segunda das objeções que a recorrida dirige ao conhecimento do objeto do recurso, relativa à inobservância do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 2, ambos da LTC. Se em causa estivesse, como a dado momento parece supor a recorrida, a conformidade constitucional do critério que integra o resultado interpretativo alcançado pelo tribunal a quo – isto é, a norma extraída do artigo 90.º, n.º 2, alínea b) , do CIRC, segundo a qual ao montante global apurado em matéria de tribu- tações autónomas não são efetuadas deduções relativas a benefícios fiscais –, a procedência da objeção seria manifesta. Neste caso, sabendo-se que «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades
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