TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
429 acórdão n.º 182/20 com uma «fórmula normativa» que, «tomada à letra, abrange [hipóteses] que decididamente não estão no espírito da lei», o poder-dever de reconstituir o pensamento legislativo, fazendo prevalecer a solução que lhe corresponde sempre que esta tiver «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imper- feitamente expresso». Mobilizando os critérios de interpretação da lei extraídos daquelas disposições do Código Civil com vista a «apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de ser possível utilizar a dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis», o tribunal concluiu que não era possível deduzir os referidos benefícios à coleta do IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, tendo qualificado este resultado interpretativo como uma interpretação corretiva. 8. Tal como delimitado no requerimento de interposição, com a especificação a que se aludiu supra (n.º 4), o objeto do presente recurso é integrado pelo artigo 9.º, n. os 1 e 2, do Código Civil, na interpretação segundo a qual a norma constante do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – anterior, portanto, às alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro –, relativa a deduções à coleta, pode ser objeto de uma interpretação corretiva para efeitos de apuramento do quantum do imposto devido em resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, a que se refere o artigo 88.º do mesmo Código. Nas contra-alegações produzidas, defendeu a AT que a questão não deveria ser conhecida por este Tribunal por não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, designadamente por ser inidóneo o seu objeto. Entende a recorrida que a recorrente pretende questionar a interpretação do direito infraconstitucional adotada pelo tribunal a quo em face das circunstâncias do caso, e não qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido oportunamente suscitada e que tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida. Ora, tal como a recorrida – e a recorrente – bem sublinham, não compete a este Tribunal aferir a corre- ção da interpretação do direito infraconstitucional adotada pelo tribunal recorrido em face do caso concreto, nem tão-pouco pronunciar-se sobre a adequação ou consistência dos argumentos mobilizados, em aplicação do disposto no artigo 9.º do Código Civil, para suportar essa interpretação. Sucede, porém, que aquilo que é pedido a este Tribunal não é que se pronuncie sobre a correção do sentido interpretativo atribuído à alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC. Nem que tome posição sobre a questão de saber se, à luz do princípio da legalidade fiscal, o tribunal recorrido poderia ter atribuído ao referido preceito o específico sentido que atribuiu – questão que obrigaria a revisitar o complexo problema da delimitação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quando em causa está a impugnação de interpretações normativas tidas por inadmissíveis em matérias abrangidas pelo princípio da legalidade criminal ou fiscal. O problema da distinção entre norma e decisão em matérias abrangidas pelo princípio da legalidade fiscal – não deixará, ainda assim, de notar-se aqui – foi já por várias vezes debatido na jurisprudência deste Tribunal, nem sempre tendo obtido uma reposta concordante. Nos Acórdãos n. os 196/03 e 197/03, tirados em Plenário, o Tribunal começou por reafirmar a orienta- ção adotada no Acórdão n.º 674/99, segundo a qual é de excluir a competência da jurisdição constitucional para sindicar a conformidade de interpretações normativas obtidas através de um processo hermenêutico alegadamente proibido pela Constituição, apenas com esse fundamento. Caso contrário – afirmou-se então –, o Tribunal seria obrigado a pronunciar-se sobre «um ato relativo ao julgamento do caso, ainda que ferido ou atingido diretamente de inconstitucionalidades e não enquanto uma questão normativa ou uma questão incluída no conceito funcional de norma, acima precisado, para efeitos de sujeição ao sistema constitucional de fiscalização da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.» (cf. o Acórdão n.º 196/03).
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