TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL B) Nas deduções à coleta joga-se ainda a questão substantiva do apuramento do quantum do imposto, pelo que não está o intérprete autorizado, seja ele quem for, a corrigir o texto legal, na presunção de que sabe o que o legislador teria aí querido verter (no caso, a propósito da coleta das tributações autónomas em IRC). C) O intérprete, seja ele quem for e por maior que seja a sua sapiência, não tem autoridade constitucional para, sobrepondo-se ao texto legal, achar que sabe melhor do que o que o legislador espelhou no texto legal. D) O intérprete apenas sabe isto: que se formou um consenso avassalador de que as tributações autónomas são IRC, que em consequência disso se aplicou a norma dirigida à coleta do IRC constante até 2013 do artigo 45.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 42.º) que impede a sua dedução ao lucro tributável, e que em consequência disso ainda é incoerente e contraditório afastar uma outra norma aplicável à coleta do IRC, a das deduções à mesma (artigo 90.º), da sua aplicação à coleta de IRC gerada pelas tributações autónomas. E) Para além disto o intérprete nada sabe nem tem como saber, pelo que o que afirma saber não passam de espe- culações erigidas ilegitimamente em critério normativo de decisão da sua lavra. F) Ademais, constitui uma duplicidade de critério achar que o legislador quando introduziu as tributações autó- nomas em IRC não se teria apercebido das implicações ao nível do tratamento da sua coleta, e do mesmo passo concluir que para efeitos do artigo 45.º o legislador teria querido tratá-la como coleta de IRC, mas para efeitos de artigo 90.º já não. G) Se a criação de impostos está reservada a X ou à autorização de X, daí resulta sem necessidade de formulação expressa ou adicional que tudo o que não seja X não pode não só criar, mas não pode também modificar os impostos criados (ou alterados) por X. H) Pela razão simples de que modificar é criar, no caso em discussão partindo da base do que foi criado por X (ou sobre a autorização de X) . Modificar é criar coisa nova, diferente, partindo do anteriormente criado. I) Donde que o artigo 9.º, n. os 1 e 2, do código civil, interpretado no sentido de autorizar os atos jurisdicionais (incluindo atos de tribunais arbitrais no exercício da função jurisdicional) e, mais latamente, os atos sem natureza de lei, a corrigirem os preceitos das leis de imposto, in casu interpretação corretiva da norma fiscal que se contém na alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, na versão anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido da exclusão da previsão normativa das deduções à coleta do IRC, da parte da coleta do IRC respeitante à tributação autónoma em IRC, seja inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, 103.º, n.º 3, primeira parte, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, por violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, e por violação do princípio da separação de poderes, in casu separação dos poderes legislativo e judicial, previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição. J) A lei interpretativa é inovadora, e a inovação consiste em afastar outros sentidos possíveis de uma dada norma em benefício agora de um sentido só por si escolhido. Constitui, pois, uma nova, no sentido de diferente, distinta, densificação normativa, consubstanciada num afunilamento (estreitamento) do alcance potencial da norma vigente até então. K) O mesmo se pode dizer, por maioria de razão, da ferramenta da interpretação corretiva. L) Ela é inovadora, e a inovação é ainda mais radical do que a da lei interpretativa que realmente faça jus ao nome: substituição do sentido normativo comportado pelo texto legal, por um sentido normativo não com- portado pelo texto legal. M) E a interpretação corretiva é, por natureza também, retroativa: a lei interpretada com o seu particular texto legal, e os factos que convocam a sua aplicação, necessariamente que preexistem relativamente ao particular momento da concreta interpretação corretiva e aplicação em causa. N) O presente caso é um exemplo vivo disso: a interpretação corretiva tem data de 20.09.2018 (a data do acórdão arbitral), mas a lei interpretada/corrigida bem como os factos por ela regulados são anteriores, muito anterio- res até (os factos em particular são de 2012 – o exercício fiscal de 2012). O) Donde que o mesmo valor, a mesma regra constitucional, é posta em causa pela lei interpretativa de norma de imposto e pela interpretação corretiva de norma de imposto.
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