TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não ocorrerá nas hipóteses em que a interpretação corretiva da lei tenha servido apenas para afastar ou excluir o sentido que mais imediatamente decorreria da relevância gramatical do enunciado em benefício daquele que, apesar de corresponder a uma utilização menos imediata dos elementos lin- guísticos em causa, o texto da lei não exclui de forma categórica ou inequívoca; posto é que, tanto ao contribuinte como à administração fiscal seja assegurada a possibilidade de, com base na convicção jurídica que formaram sobre o sentido da lei, o disputarem perante um tribunal, para que este aprecie e decida, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhe cabe e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, qual o resultado interpretativo que deve prevalecer em função da diretiva hermenêutica selecionada e, por isso, subjacente ao seu processo de evidenciação. XIII - Assim, ainda que se entendesse que o princípio da legalidade fiscal vincula o intérprete, em qualquer circunstância, a manter-se aquém do limite interpretativo traçado pelo mínimo de correspondência verbal, não mereceria censura, à luz do princípio da legalidade fiscal consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, a interpretação dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil no sentido propug- nado pela decisão recorrida, que constitui o objeto do presente recurso. XIV - Não implicando a interpretação corretiva da lei a criação de um critério normativo de resolução do conflito verdadeiramente inovador, sem o mínimo de adesão, ainda que imperfeita ou incompleta, ao texto interpretando, não se vê como possa ser afrontada a proibição da retroatividade fiscal, a qual, constituindo, ela própria, uma refração do princípio da legalidade fiscal, justamente supõe que a norma tributária disponha para o passado, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia; do mesmo modo, também não se vê como possa configurar-se uma violação do princípio da separação de poderes, sobretudo se se tiver em conta que, no domínio em que nos situamos, tal princípio é concretizado tanto através da subordinação exclusiva dos tribunais à lei, como da reserva da função jurisdicional. XV - A norma sindicada, quando confrontada com normas legais interpretativas apreciadas em anterio- res Acórdãos deste Tribunal, mais não representa do que a outra face da mesma moeda: enquanto naqueles arestos se tratou de censurar o legislador fiscal pelo facto de, através da edição de uma norma interpretativa, ter limitado, mediante a escolha de uma delas, as múltiplas declarações do direito de que determinada lei anterior era passível, ou por tê-lo feito fora do âmbito de uma controvérsia juris- prudencial acerca do sentido da norma interpretada, no presente caso trata-se de reafirmar que essa tarefa cabe, por definição, aos tribunais, aos quais a Constituição atribui a autoridade para, «através de decisões juridicamente fundamentadas e no termo de um processo de partes com igualdade de armas», corrigir, sendo caso disso, a letra da lei, sempre que tal correção não signifique mais do que uma obediência pensante ou inteligente à norma. XVI - Para além de não se mostrar incompatível com o princípio da legalidade fiscal, a norma sindicada não é censurável à luz de qualquer outro dos demais parâmetros invocados, tanto mais quanto certo é que tudo quanto se afirmou serve para afastar, por identidade de razão, a existência da alegada violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República, constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, e o n.º 5 do seu artigo 112.º, na medida em que dispõe sobre os limites mate- riais do poder legislativo e não do poder jurisdicional, não sendo sequer convocável para a apreciação da questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=