TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

421 acórdão n.º 182/20 VII - Analisada a decisão recorrida, verifica-se que o resultado alcançado não só constitui inequivocamente uma interpretação secundum legem , plenamente obediente à sua ratio , como é até o sentido que mais naturalmente decorreria do respetivo teor verbal não fora a circunstância de o regime de tributações autónomas ter sido introduzido no CIRC, tratando-se, da perspetiva do tribunal, de um sentido compaginável com a letra da lei, ainda que merecendo esta correção em virtude da modificação de contexto que resultou daquela alteração do CIRC; não havendo qualquer evidência que leve a infir- mar que a interpretação que o tribunal a quo designa como corretiva encontra na lei um mínimo de correspondência verbal e obedece às regras gerais de interpretação jurídica, resta verificar se, por força do princípio da legalidade fiscal, se impunha ao tribunal a observância de especiais regras interpretati- vas, designadamente que afastassem a possibilidade de atribuir à norma interpretanda um sentido de que resulte o aumento do quantum de imposto a pagar. VIII - Do princípio da legalidade fiscal, consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, decorre, des- de logo para o legislador, um importante limite à liberdade de conformação da lei fiscal, sobretudo quando – como sucede no caso dos autos – está em causa a regulação dos pressupostos determinantes do quantum do imposto a suportar; aquele princípio condiciona igualmente a Administração e os tri- bunais enquanto agentes da necessária densificação normativa, sem a qual se verá debilitada a função garantística do princípio da tipicidade fiscal. IX - O legislador, no artigo 11.º da Lei Geral Tributária, rejeitou as teses segundo as quais a autonomia e a pretensa especialidade do ordenamento jurídico-fiscal demandariam uma metodologia própria; do mesmo modo, foi deliberada a opção de afastar o princípio da interpretação literal da lei fiscal, o que não significa, contudo, prescindir da reafirmação da função negativa da letra da lei, como limite da interpretação, mas apenas que, também neste domínio, o limite pode traçar-se sobre o sentido literal possível, ou sobre o mínimo de correspondência verbal, exigido pelo n.º 2 do artigo 9.° do Código Civil. X - A regra interpretanda no caso dos autos – em especial se nos ativermos ao teor verbal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC – é ilustrativa do problema, de saber de que modo logrará o intérprete traçar a partir do texto «ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes dedu- ções (…)» um limite que não seja também já o resultado da interpretação desse texto e dos diversos preceitos para os quais este remete. XI - Defluem do princípio da legalidade fiscal exigências de determinabilidade e previsibilidade, que se tra- duzem, para o Estado, num dever de densificação normativa progressiva da lei fiscal, o qual não recai apenas sobre o legislador, antes se devendo reconhecer o relevante papel desempenhado pelos tribu- nais na apreciação dos casos concretos em face dos quais se desenvolve e recorta o preciso sentido das normas fiscais, em benefício da previsibilidade e estabilidade que através do princípio da legalidade se pretende proteger; no entanto, do mesmo modo que se entende que o princípio da legalidade não exige ao legislador que configure as normas fiscais de modo a possibilitar um cálculo exato e antecipa- do dos impostos a pagar, também não pode – nem é desejável – que dele se extraiam para o intérprete mais constrangimentos metodológicos do que aqueles que, em cada momento, se têm como válidos e aptos a suportar a interpretação da lei fiscal. XII - A interpretação corretiva da lei fiscal não é, em si mesma ou em toda a sua extensão, necessária e automaticamente incompatível com o princípio da legalidade tributária; a violação de tal princípio

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