TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processual, como é o direito ao recurso, não respeita, com efeito, o processo justo. Note-se que, no domí- nio penal, onde nos movemos, o direito ao recurso tem especial proteção constitucional, como garantia de defesa, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. O Tribunal Constitucional já sublinhou que, em situações em que o não cumprimento, ou o cumpri- mento defeituoso, de certos ónus processuais pelo arguido é suscetível de implicar a perda definitiva de direi- tos ou a preclusão irremediável de faculdades processuais, se deveria equacionar a prévia formulação de con- vite ao arguido para suprimento da deficiência (cfr. os já citados Acórdão n.º 215/07, 2.ª Secção, ponto 2.4., e Acórdão n.º 485/08, 2.ª Secção, ponto 2.3.). Neste contexto, o Tribunal também já ressalvou que, «em geral, e tendo por parâmetro o direito a um processo equitativo, “não beneficia de tutela constitucional um genérico, irrestrito e ilimitado ‘direito’ das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiências dos atos por elas praticados em juízo”, sendo certo que “o convite – que não tem que ser sucessivamente renovado ou reiterado – só tem sentido e justificação quando as deficiências notadas forem estritamente ‘formais’ ou de natureza secundária” e que “não será constitucionalmente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um ‘erro manifestamente indesculpável do recorrente’” (Car- los Lopes do Rego, “O direito de acesso aos tribunais na jurisprudência recente do Tribunal Constitucional”, em Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, 2007, pp. 846-847)» (cfr. Acórdão n.º 215/07, 2.ª Secção, ponto 2.4.). 15. Assim, transpondo as considerações constantes da jurisprudência citada do Tribunal Constitucional para a análise da solução normativa em apreciação teremos de concluir que cominar, sem mais, com o vício de nulidade, o ato de apresentação, tempestivo, através de correio eletrónico, do recurso, em sede de processo penal, se afigura desproporcionado. A desproporção não resulta propriamente da consequência (rejeição do recurso), mas sim do seu cará- ter imediato, com efeitos definitivos, sem intermediação de uma oportunidade de suprimento. Neste caso, o convite à apresentação do requerimento de recurso pela via considerada exigível configura uma medida de adequação do processado apta a suprir uma omissão estritamente formal, não comprometendo o equilíbrio de obrigações e direitos inerente a um processo justo e equitativo. Assim, diante da existência de alternativas válidas e adequadas, a imposição de uma consequência traduzida na desconsideração definitiva do requerimento de recurso, funda o juízo de desproporcionalidade da solução normativa que não admite aquele convite. Uma vez que a decisão de inconstitucionalidade a formular é limitada a essa dimensão normativa, emite- -se um julgamento de inconstitucionalidade parcial. Deve, por isso, o recurso ser julgado procedente e a norma que, ao tempo dos autos, cominava com nuli- dade o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do pro- cesso penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível, resul- tante da interpretação extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n. os 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ser julgada inconstitucional por ferir, de forma despro- porcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, e artigo 18.º da Constituição). III – Decisão Termos em que se decide: a) Julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n. os 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º,

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