TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
415 acórdão n.º 174/20 A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transponí- veis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego: “As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de “mecanismos que desencorajem as partes de adotar com- portamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir des- proporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada” (in “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855). Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprome- timento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência – não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância – e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.» Ora, no caso dos presentes autos, estamos perante um quadro em que existiam dúvidas razoáveis sobre qual a via imposta pelo texto legal para a apresentação do requerimento de recurso mesmo que os interes- sados atuassem de acordo com os deveres de uma conduta processual diligente e observassem os ditames de prudência técnica. É neste enquadramento que devemos analisar a norma que qualifica como nula a apresen- tação (dentro do prazo) do requerimento de recurso através de correio eletrónico – num cenário de incerteza interpretativa –, o que tem como consequência inexorável a sua rejeição por extemporaneidade, pois apenas viria a ser considerada a data da apresentação dos duplicados (já fora do prazo). Note-se igualmente que a sanção do não recebimento do recurso é determinada, de uma forma inovatória e surpreendente, sem que seja dada aos recorrentes uma específica oportunidade para cumprir o ónus em causa, sendo o incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos, privando o arguido de exercer o seu direito ao recurso. 14. A garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º da Constituição. Como o Tribunal Constitucional assinalou no Acórdão n.º 620/13, da 2.ª Secção, ponto 2: «A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus impre- visível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. cit. , pp. 846-849). Aliás o Tribunal Constitucional em situações semelhantes não tem deixado de intervir, recorrendo quer a este parâmetro constitucional quer ao princípio da proteção da confiança, imanente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como ocorreu nos Acórdãos n.º 431/02 e 213/12 (acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt ) .» A imposição de um ónus que não resulta claro perante a letra de lei, sendo por isso de difícil cumpri- mento pelas partes, cuja inobservância é a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa
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