TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que sustenta a desconsideração da jurisprudência fixada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão uniformizador n.º 3/2014, acima referido. Assim, os meios para a apresentação do requerimento em juízo seriam apenas os legalmente estabelecidos no artigo 144.º, n. os 7 e 8, do CPP: a entrega na secretaria judicial, a remessa pelo correio, sob registo e o envio através de telecópia (esta nos termos previstos pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro). Na sequência, concluindo pela inexistência de base legal para a apresentação a juízo de atos processuais escritos através de correio eletrónico, entendeu o tribunal a quo sancionar com a nulidade a prática daquele ato. A este propósito, invoca o recorrente que a norma que comina como nulo o ato de apresentação, em processo penal, do articulado de recurso através de correio eletrónico, viola o princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição, na dimensão de direito a um processo equitativo. 11. O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4). A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito nor- mativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, os Acórdãos n.º 204/15, 2.ª Secção, ponto 2.3; n.º 401/17, da 3.ª Secção, ponto 14; n.º 675/18, Plenário, ponto 6; n.º 687/19, 1.ª Secção, ponto 13). Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momen- tos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo ( dossier ); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, vol. I, pp. 415-416). 12. É certo que a exigência consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Deve ser reconhecida, aliás, uma ampla discricionariedade legislativa na definição da tramitação processual civil, que permite ao legislador, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento. No entanto, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionali- dade. O reconhecimento do direito fundamental a um processo equitativo estabelece limites a essa liberdade

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=