TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ilimitado “direito” das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiên- cias dos atos por elas praticados em juízo. Acresce que, como decorre também da jurisprudência do Tribunal (concretamente, dos acórdãos n. os 259/02 e 374/00), o convite ao aperfeiçoamento tem sentido e justificação quando as deficiências em causa forem de natureza estritamente formal ou secundária, dizendo respeito à “apresentação” ou “formulação”, mas não ao conteúdo, con- cludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida. Assim, o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respetivo destinatário, de forma a permitir-lhe, de modo enviesado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objeto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo. Por outro lado, o Tribunal também já entendeu que o convite ao aperfeiçoamento não será constitucionalmente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um “erro manifestamente indesculpável do recorrente” (cfr. Acórdão n.º 184/04). Relativamente ao regime processual dos recursos, o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador tem uma ampla liberdade de conformação no que respeita ao estabelecimento, em cada ramo processual, das respetivas regras, desde que tais regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais (Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 299/93).” 35.º E o Acórdão 462/16 acrescenta, um pouco mais adiante (destaques do signatário): “Por outro lado, não obstante a assinalada diferença nesta matéria entre o direito processual penal e contraorde- nacional face ao processo civil, importa também salientar que, mesmo no âmbito processual penal e contraordenacio- nal o tribunal tem entendido não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afetem a motivação do recurso (e não apenas as conclusões). Com efeito, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, quer a relativa aos recursos de natureza penal (ou contraordenacional), quer a relativa aos recursos de natureza não penal, o Tribunal tem distinguido as situações em que as insuficiências e omissões detetadas no requerimento de recurso dizem [respeito] apenas às conclusões do recurso, daquelas situações em que tais insuficiências e omissões dizem respeito também à respetiva motivação. A esse respeito, o Tribunal tem reiteradamente afirmado que da sua jurisprudência não pode retirar-se «uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adje- tivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado» (cfr., Acórdão n.º 140/04). Daí que, mesmo no domínio processual penal e contraordenacional, o Tribunal Constitucional distinga dois tipos de situações. Nos casos em que as omissões, insuficiências ou deficiências em causa ocorrem não apenas nas conclusões do reque- rimento recurso, mas também na respetiva motivação, o Tribunal Constitucional tem formulado juízos negativos de inconstitucionalidade em relação a interpretações normativas no sentido de que, em tais circunstâncias, não deverá ser conhecida a matéria em questão, improcedendo o recurso, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tais deficiências. É o caso, por exemplo, dos Acórdãos n. os 259/02, 140/04 e 660/14, em que o Tribunal não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 412.º, n. os 3 e 4, do CPP, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, das menções aí exigidas, tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tais deficiências.

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