TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
403 acórdão n.º 174/20 Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando este- jam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cfr., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n. os 122/02 e 46/05). No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se fun- cionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclu- sões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e segs. e, entre outros, os Acórdãos n. os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/08, 350/12, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional). O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais: – a justificação da exigência processual em causa; – a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; – e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acórdãos n. os 197/07, 277/07 e 332/07). No que respeita à situação dos autos, tendo em conta a liberdade de conformação que é conferida ao legislador ordinário, tem sentido que este possa prever um regime de recurso em que incumba ao recorrente, nas alegações, desenvolver os fundamentos ou razões jurídicas com base nas quais pretende ver alterada a decisão recorrida, exigindo ainda a formulação de conclusões destinada a resumir, de forma abreviada e sintética, o âmbito do recurso e dos respetivos fundamentos, enunciando as questões a decidir. O cumprimento destas exigências, cuja satisfação não se revela excessivamente onerosa para o recorrente, não repre- senta uma simples formalidade, posto que o corpo das alegações tem uma função substancialmente útil e necessária, conforme acima explicitado, destinando-se as conclusões apenas a sintetizar o conteúdo dessas alegações. Assim, tendo em atenção o exposto, perante uma questão apenas enunciada nas conclusões e tendo em atenção a aludida função das alegações e a relação entre estas e as respetivas conclusões, não se afigura que o não conhecimento de tal questão ponha em causa a garantia do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva em qualquer das dimen- sões acima explicitadas. Importa, no entanto, apreciar se o não conhecimento da questão, em resultado da aludida omissão, pode ter lugar sem que tenha havido um prévio convite ao recorrente no sentido de suprir tal omissão. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado na sua jurisprudência que o direito ao processo, conju- gado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe que se atribua prevalência à justiça material sobre a justiça formal, evitando-se soluções que, devido à exigência de cumprimento de «requisitos processuais», conduzam a uma decisão que, bem vistas as coisas, se poderá traduzir numa verdadeira denegação de justiça. Concretamente, no que respeita a esta matéria, o Tribunal tem entendido que não existe um genérico direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento (cfr., neste sentido o Acórdão n.º 259/02) e que o convite ao aperfei- çoamento de peças processuais deficientes não significa que beneficie de tutela constitucional um genérico, irrestrito e
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