TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

400 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de processo não estabelecem disciplina própria e em que, além disso, a aplicação subsidiária da lei processual civil se harmonize com a natureza desses processos. Deste modo, por exemplo, e enquanto não for alterado o Código de Processo Penal nesse sentido, não será ainda possível aos tribunais notificarem eletronicamente os advogados ou defensores nomeados em processo penal.” O próprio legislador foi, por isso, prudente ao definir que a tramitação eletrónica de processos, designada- mente em matéria penal, não era integral e tinha de adequar-se, não só às condições e características do sistema informático utilizado (Sistema Citius ), que, como se sabe, deu, em determinada altura, sérios problemas, que leva- ram à paralisação de inúmeros processos judiciais, como também às leis processuais vigentes. 30.º Sendo certo, por outro lado, que a própria Associação Sindical dos Juízes Portugueses, ainda muito recente- mente, veio requerer, à Provedora de Justiça, que solicitasse, ao Tribunal Constitucional, a declaração de inconsti- tucionalidade, com força obrigatória geral, de diversas portarias, incluindo a Portaria 170/2017, que vieram impor que os processos passassem a ser tramitados em tribunal de forma desmaterializada. Ora, perante um tal cenário, de introdução faseada de um sistema de desmaterialização de diversos tipos de processos em tribunais nacionais, que decorre há vários anos, com comprovadas dificuldades na operacionalidade de algumas das soluções ensaiadas, será legítimo recusar, a um arguido que entregou o seu requerimento de recurso tempestivamente, a apreciação do mesmo recurso, só porque não o mesmo não foi apresentado através de trami- tação eletrónica adequada? Sinceramente, não se crê! E, com isto, não se pretende colocar em causa a prossecução do objetivo de desmaterialização dos processos judi- ciais em tribunais nacionais, mas apenas situar tal objetivo no seu devido contexto e extrair, desse mesmo contexto, os fundamentos para a devida ponderação da questão de constitucionalidade em apreciação nos presentes autos. 31.º Como se viu, embora com diversas exceções, a entrada em vigor da modalidade de entrega de requerimentos de recurso em matéria penal, através de tramitação eletrónica de dados, acabou por ser fixada, pelo legislador, para o dia 1 de julho de 2017. Ora, nos presentes autos, o requerimento de recurso foi entregue tempestivamente, pelo arguido, em 1 de outubro de 2015 (cfr. supra n.º 2 das presentes contra-alegações), primeiro por correio eletrónico e, alguns dias depois, em suporte de papel, ou seja, dois anos antes da entrada em vigor, nesta parte, da Portaria 170/2017. Seria, por isso, legítimo e até mesmo expectável, que o Ilustre Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra tivesse, na dúvida, convidado o arguido para apresentar o seu requerimento de recurso no formato que considerou exigível, em vez de determinar, desde logo, a rejeição, sem apelo nem agravo, do mesmo recurso. 32.º Poderia fazê-lo, desde logo, no âmbito do seu dever de gestão processual (cfr. art. 6.º do Código de Processo Civil), «promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, …, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável». Poderia fazê-lo, ainda, no respeito pelo princípio de cooperação (cfr. art. 7.º, n.º 1, do Código de Processo Civil): “1 – Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” Poderia fazê-lo, por último, no respeito pelo princípio do suprimento de deficiências formais de actos das partes (cfr. art. 146.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), tanto mais que um tal suprimento ou correção não implicaria prejuízo relevante para o regular andamento da causa.

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