TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
40 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, não é isso que sucede no caso vertente. A sentença não apreciou, nem direta nem indiretamente, a questão do pedido de comparência dos peritos na audiência, que era uma questão prévia à própria sentença recorrida, não podendo, pois, dizer-se que se trata de uma nulidade coberta pela sentença.» A distinção referida – e que foi considerada decisiva para indeferir a reclamação, nesta parte – pura e simplesmente não é considerada no critério normativo sindicado pelos recorrentes e ora em análise. Com efeito, para o tribunal a quo, as questões dotadas de autonomia não podem ser “cobertas pela sentença” e, devido a essa mesma autonomia, também não são pela mesma “reveladas”. Recorde-se que estava em causa a arguição de nulidades por alegada omissão de formalismos proces- suais: a notificação dos peritos para comparecerem na audiência final, a fim de prestarem os esclarecimentos que lhes forem pedidos (artigo 486.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e a notificação das partes para apresentarem alegações [cfr. o artigo 604.º, n.º 3, alínea e) , do mesmo diploma]. Porém, como devidamente salientado na decisão singular reclamada para a conferência que proferiu o acórdão recorrido, no processo de liquidação de participações sociais, pode não haver lugar a audiência de julgamento e não está prevista a apresentação de alegações das partes. Deste modo, a omissão dos citados formalismos antes da prolação da decisão final resultou de soluções prévias a esta última, que, por isso, a mesma também não teve de as apre- ciar. Assim sendo, considerou o tribunal a quo não se tratar de nulidades processuais reveladas na sentença ou por esta “cobertas”. Pelo exposto, não pode conhecer-se desta primeira questão de constitucionalidade, uma vez que a inter- pretação normativa objeto da mesma não constituiu ratio decidendi do acórdão recorrido. 9. No respeitante à segunda questão de constitucionalidade – a «interpretação normativa extraída do artigo 1068.º, n.º 4, do Código de Porcesso Civil, segundo a qual a tramitação do processo de liquidação de participações sociais não prevê uma fase de alegações das partes, ou, por outras palavras, segundo a qual não há lugar a alegações de facto e de direito no processo de liquidação das participações» – considera a recorrida estar em causa um «mero argumento de reforço», e não um fundamento autónomo do acórdão recorrido. Deste modo, uma eventual decisão do recurso de constitucionalidade favorável aos recorrentes nesta parte seria insuscetível de determinar a reforma daquele (cfr. as conclusões 7.ª, 8.ª e 11.ª da contra-alegação). Sucede que o tribunal a quo, confrontado com a reclamação deduzida contra a decisão singular do relator adotada nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea a) , e 656.º do Código de Processo Civil, pode e deve conhecer e decidir o recurso que para ele foi interposto (cfr. o artigo 652.º, n.º 4, do mesmo Código). Ora, na apelação do saneador-sentença interposta pelos recorrentes, estes já haviam considerado, ainda que a título subsidiário, existir uma violação do artigo 1068.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, por não haver sido dada oportunidade às partes de alegarem, de facto e de direito, antes de ser tomada a decisão sobre o mérito da causa. Na reclamação para a conferência deduzida junto do tribunal a quo, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, voltaram a fazê-lo – de novo, a título subsidiário – e suscitaram a inconstitucionalidade da interpretação normativa acolhida na decisão sumária do desembargador relator. Assim, dados os poderes de cognição da conferência no tribunal a quo – deve proferir um «acórdão que julga o recurso» (artigo 652.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) –, este, depois de considerar sanada e improcedente a nulidade invocada pelos apelantes, tinha de decidir as questões colocadas com referência ao mencionado artigo 1064.º, n.º 2, sob pena de omissão de pronúncia. E, na verdade assim fez: «O processo especial de liquidação de participações sociais previsto no art 1068.º do CPCivil não contempla a realização de audiência de julgamento, como resulta do n.º 4 do citado preceito: “Ouvidas as partes sobre o resultado da perícia realizada, o juiz fixa o valor da participação social, podendo, quando necessário, fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia, ou de quaisquer outras diligências.”
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