TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Refere o reclamante que se trata de uma cristalização da jurisprudência constitucional em “posições ‘anquilosadas’ tomadas em acórdão proferido há 16 anos”, que deve ser superada através de uma abordagem “ampla e abrangente”, que sirva “de ‘caixa de ressonância’ do estado civilizacional, do ambiente cultural e das necessidades concretas da comunidade envolvente, mesmo das suas minorias”. A jurisprudência recente do Tribunal não espelha, todavia, o imobilismo que o reclamante lhe imputa. Pelo contrário, mantém-se viva a discussão de argumentos de sinal contrário (cfr. designadamente, as declara- ções de voto apostas ao Acórdão n.º 641/16), a qual, simplesmente, não conduziu a uma alteração do sentido das decisões, que se reforçaram com novos fundamentos – veja-se, desde logo, o Acórdão n.º 178/18: “[…] Em relação à constitucionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do CP, nos termos da qual «Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição», alega uma vez mais o recorrente que o facto de a norma não exigir como requisito da incriminação «a exploração de situações de abandono ou de necessidade económica», implicaria uma violação, na sua perspe- tiva, do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, por não estar o legislador a tutelar a liberdade sexual das pessoas prostituídas, mas sim uma determinada moral social, que não competiria ao direito penal proteger, de acordo com o princípio da intervenção mínima ou da ultima ratio , invocando a seu favor os argumentos aduzidos nos votos de vencido à jurisprudência dominante neste Tribunal, que tem proferido um juízo negativo de inconstitucionalidade em relação à norma impugnada. Os argumentos referidos nos votos de vencido incidem sobre a ausência de um bem jurídico com dignidade penal, que se traduzisse na proteção de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e no entendimento, segundo o qual a norma prevê um crime sem vítima, que visaria apenas a prevenção ou a repressão do moralismo ou de sentimentos religiosos, e que traduziria um paternalismo do legislador, que seria até suscetível de ofender a liberdade das pessoas que, de livre vontade, se quisessem prostituir. Contudo, como tem sido reafirmado pela jurisprudência dominante no Tribunal Constitucional, esta norma visa combater um fenómeno invisível na sociedade e que se traduz na exploração das pessoas prostituídas, que prestam um consentimento meramente formal à atividade da prostituição, mas que não vivem em estruturas económico-sociais que lhes permitam tomar decisões em liberdade, por pobreza, desemprego e percursos de vida marcados pela violência e pelo abandono desde uma idade muito jovem. Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nos últimos trinta anos, mudou muito, verificando-se uma estrita ligação entre a prostituição e o tráfico de pessoas, o qual atinge dimensões crescentes, inimagináveis há algumas décadas. Verificou-se também que o sistema não tem instrumentos para dis- tinguir, na prática, a ténue linha que separa o consentimento da pessoa para a prática de atos de prostituição das situações de tráfico e prostituição forçada. As leis que criminalizam o uso do serviço sem o consentimento da vítima enfrentam dificuldades sérias na sua implementação e o sistema não consegue aplicá-las efetivamente (cfr. Sexual exploitation and its impact on gender equality , European Parliament, 2014, http://www.europarl.europa.eu/RegData / etudes/etudes/join/2014/493040/IPOLFEMM_ET(2014)493040_EN.pdf ). Neste contexto de política criminal, o desaparecimento do requisito da «exploração de um estado de necessidade ou de abandono» situa-se dentro da margem de liberdade de conformação do legislador democrático e visa, não a tutela de qualquer moral, mas a proteção de direitos fundamentais das pessoas à autonomia, à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade (artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP). A prostituição é uma questão que preocupa os Estados, por estar associada ao tráfico de pessoas e implicar uma violação de direitos humanos de um número cada vez mais elevado de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças migrantes (traficadas de países subdesenvolvidos para países desenvolvidos), impedindo a estas pessoas o acesso à cidadania, à liberdade, à igualdade de direitos, e à autonomia na condução da sua vida. As pessoas são utilizadas como fonte de lucro para outrem, através de uma atividade que é hoje designada como a escravatura dos tempos modernos, tratando-se a prostituição de um dos negócios mais rentáveis do mundo, movimentando cerca de $186.00 biliões por ano e envolvendo cerca de 40-42 milhões de pessoas, 90% das quais dependentes de outrem e 75% das quais têm idades compreendidas entre 13 e 25 anos (cfr. Sexual exploitation and its impact on

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