TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

380 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I ‑A Causa 1. No processo comum para julgamento por tribunal coletivo com o n.º 380/08.0TACTB, que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de Viseu, foram submetidos a julgamento vinte arguidos (A., o ora reclamante, e outros), sendo-lhes imputada a prática de diversos crimes, entre os quais o crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal. Foi proferido acórdão, datado de 4 de dezembro de 2019, no qual não foi qualquer dos arguidos con- denado pela prática do crime de lenocínio. Na fundamentação da decisão, foi recusada a aplicação da norma contida no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, considerando-se, em suma, que a eliminação do segmento relativo à exploração da situação de abandono ou necessidade económica da vítima, pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, deixou o tipo de crime de lenocínio desprovido de bem jurídico com dignidade penal, concluindo-se que “[…] não é mais sustentável hoje, sem falsos pecados, numa hipocrisia social que finge não ver com os olhos fechados, a necessidade da pena suposta pela incriminação do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, a qual – com os fundamentos expostos – deverá considerar-se destituída de valor por infringir o disposto na Constituição”. 1.1. O Ministério Público interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), tendo em vista a apreciação da inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, recurso que foi admitido pelo Juízo Central Criminal de Viseu e deu origem aos presentes autos. 1.1.1. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária (coube-lhe o número 79/20), pelo relator, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de “[ (a) ] não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setem- bro; e, consequentemente, [ (b )] conceder provimento ao recurso, determinado que os autos sejam remetidos ao Juízo Central Criminal de Viseu, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade”, com os fundamentos seguintes: “[…] 2. A inconstitucionalidade da norma contida no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal (e da norma correspon- dente do artigo 170.º, n.º 1, do mesmo Código, na numeração anterior à Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro) foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, em diversas decisões – v., designadamente, os acórdãos n. os 144/04, 196/04, 303/04, 170/06, 396/07, 522/07, 141/10, 559/11, 605/11, 654/11, 203/12, 149/14, 641/16, 421/17, 694/17, 90/18 e 178/18 – sempre no sentido da não inconstitucionalidade. Se é certo que nem todos os acórdãos atrás referidos foram tirados por unanimidade, não é menos certo que as maiorias se têm formado sucessivamente no sentido apontado. Dessa orientação resulta, em suma, que não se visa tutelar através do direito penal uma certa moralidade sexual, mas antes que “a ofensividade que legitima a intervenção penal assenta numa perspetiva fundada de que as situações de prostituição, relativamente às quais existe promoção e aproveitamento económico por terceiros, comportam um risco elevado e não aceitável de explo- ração de uma situação de carência e desproteção social, interferindo com – colocando em perigo – a autonomia e liberdade do agente que se prostitui” (Acórdão n.º 641/16). Não estando, manifestamente, em causa ‘saber se a incriminação do lenocínio, nos moldes em que se se encontra prevista, traduz a melhor opção ao nível da política criminal’ (Acórdão n.º 421/17), importa notar que ‘o critério da necessidade de tutela penal, enquanto decorrên- cia do princípio da proporcionalidade, na dimensão acolhida no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, foi sempre apreciado pela jurisprudência constitucional proferida sobre a incriminação do lenocínio’, o que não impediu que

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