TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
37 acórdão n.º 29/20 6.ª – Na douta decisão sumária proferida pelo Mmo. Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, confirmada pela Conferência, julgou-se que ambas as nulidades processuais em que se esgotava o objeto do recurso interposto da sentença da Primeira Instância teriam de ser objeto de reclamação em 10 dias e que, não o tendo sido, ficaram as mesmas sanadas. 7.ª – Verifica-se, portanto, que o recurso foi julgado improcedente com base no facto de estarem sanadas as alegadas nulidades processuais invocadas pelos Recorrentes, e que o que depois se acrescenta sobre a improcedência da invocação dessas nulidades tem a natureza de mero argumento de reforço (“a isto acresce...”). 8.ª – Por conseguinte, deve entender-se que a alegada interpretação normativa do art. 1068.º, n.º 4, do CPC., segundo a qual a tramitação do processo de liquidação de participações sociais não prevê uma fase de alegações das partes, não constituiu o efetivo fundamento jurídico da decisão do recurso pelo Tribunal recorrido. 9.ª – Acresce ainda o seguinte: só deve conhecer-se do recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta, se este puder ser útil, ou seja, se a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional puder produzir um efeito útil sobre a decisão do litígio. 10.ª – Ora, não se conhecendo do recurso relativamente à primeira questão suscitada, da interpretação nor- mativa alegadamente extraída dos arts. 149.º e 199.º do CPC., nenhuma utilidade teria conhecer-se da segunda questão (relativa à aplicação do art. 1068.º, n.º 4, do CPC.), porque as pretensas nulidades processuais sempre estariam sanadas e a decisão recorrida seria, por isso, imodificável. 11.ª – Estando sanadas as pretensas nulidades processuais, o conhecimento da questão da pretensa inconstitu- cionalidade da norma com base na qual uma dessas alegadas nulidades processuais foi julgada inexistente seria um ato inútil, porque a decisão recorrida sempre se manteria inalterada com aquele outro fundamento. 12.ª – O que vale por dizer que não existe interesse em agir ou interesse processual que justifique o prossegui- mento do recurso. 13.ª – Não deverá, em suma, pelas razões apontadas, conhecer-se do recurso interposto. b) Quanto à improcedência do recurso: 14.ª – A primeira questão suscitada pelos Recorrentes respeita à alegada inconstitucionalidade da “interpreta- ção normativa extraída da conjugação dos artigos 149.º e 199.º do CPC, segundo a qual deve ter-se por sanada uma nulidade processual, arguida dentro do prazo legal de interposição de recurso ordinário e juntamente com este, no caso de nulidade processual que se revele apenas na sentença recorrida”. 15.ª – Os Recorrentes defendem que a interpretação que dizem ter estado na base da decisão recorrida viola os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, por alegadamente impor um duplo ónus injustificado e desproporcionado à parte, de arguir a nulidade processual e recorrer da sentença. 16.ª – Como já se viu, não corresponde à realidade que tal interpretação normativa tenha sido aplicada no douto acórdão recorrido; sem prejuízo disso, porém, e sempre ressalvado o devido respeito, não têm razão os Recor- rentes quanto à censura que dirigem àqueles preceitos da lei processual. 17.ª – Toda a construção dos Recorrentes assenta naquilo que entendem ser o conceito de nulidade coberta por sentença – a tese de que no caso existiria uma duplicação desnecessária do ónus da arguição de nulidade e de impugnação da sentença arranca do pressuposto de que a decisão de que se interpõe recurso dá cobertura ao ato ou omissão gerador de nulidade processual. Ora, como bem se explica no acórdão recorrido, na situação em análise não é isso que acontece, porque a sentença da Primeira Instância não apreciou, expressa ou implicitamente, a ques- tão da comparência dos peritos em audiência, nem a questão de não terem as partes podido alegar sobre o mérito da causa previamente à prolação dessa decisão. 18.ª – Consequentemente, não existe a invocada duplicação do ónus da impugnação da nulidade processual. 19.ª – O pretenso duplo ónus de que falam os Recorrentes é plenamente justificado na situação em apreço, porque respeita a realidades distintas: por um lado, teriam de ter reclamado, perante o Juiz da causa, das nulidades processuais supostamente resultantes da omissão de atos processuais na tramitação que antecedeu a sentença final, e teriam de o ter feito nos 10 dias subsequentes à revelação dessas nulidades (art. 199.º, n.º 1, do CPC); por outro lado, poderiam impugnar a sentença através de recurso, caso com ela não concordassem.
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